TELEBRASIL 2006: telecomunicações e segurança

Um dos desdobramentos do tema “As TeleComunicações para a Inclusão Social” do 50o Painel TELEBRASIL, no Club Med, foi o da segurança. Ela é um dos quatro grandes subtemas da aplicação das telecomunicações pelo Estado, em benefício da qualidade de vida da população (os outros são saúde, educação e previdência).

A sessão referente à Segurança Pública teve a jornalista Ana Paulo Lobo (Convergência Digital) como moderadora. Fizeram exposições iniciais: Bruno Nova (Motorola) e Odécio Rodrigues Carneira (Ministério da Justiça). Foram debatedores: Jose Vicente da Silva (consultor) e, com apresentação de cases internacionais, Jeppe Jepsen (SNR, do Reino Unido) e David Jone (NENA, dos EUA). A sessão de debates mostrou não só a atualidade do tema para o País como também a importância das telecomunicações para seu contexto.

Missão crítica

O expositor pela Motorola, Bruno Novak, que trata de soluções para governo e empresas em tudo que diz respeito à segurança, centrou sua palestra nos sistemas de comunicações para missões críticas (Public Safety Wirelless Network), que diferem em muitos aspectos das telecomunicações tradicionais, utilizadas no dia-a-dia.

Lembrou com dramaticidade Bruno Novak ser impensável, no mundo da segurança, perder uma vida humana porque um agente não consegue contatar os protagonistas necessários. O policiamento de uma grande cidade se reveste de aspectos ostensivos, investigativos e especializados, cada qual tendo atribuições, necessidades e formas de atuação distintas, inclusive quanto às suas comunicações.

– A segurança pública é um grande complexo do qual, na prática, participa policiais, bombeiros, resgates, defesa civil, emergência, médicos e concessionárias de telecomunicações – explicou o palestrante. Em sistemas de missão crítica, o modo normal de operação é ter todo o grupo em rede e disponível ao toque de um comando e envolve um centro de despachos para coordenação. Níveis de alta, média e baixa prioridades precisam estar estabelecidos. Toda comunicação deve ser instantânea e de baixo retardo (<0,5s).

Prosseguindo com sua exposição, disse Bruno Novik que o sigilo da comunicação, interoperabilidade (mesmo em ambientes ruidosos), autonomia (baterias), resiliência (recuperação rápida de falhas) e disponibilidade (100%) são fatores para aferir um sistema de missão crítica. No mês de maio, em São Paulo – quando a cidade parou sob o “comando” do crime organizado – houve sobrecarga de até 300% nos sistemas de comunicação. Uma rede de missão crítica deve continuar operando em tal situação. Padrões abertos e faixas de espectro comuns contribuem para o quesito da interoperabilidade. Na missão crítica, dados precisam estar disponíveis quando deles se necessitam.

Ao final, Bruno Novak apelou para o órgão regulador para que preserve espectro para os sistemas de missão crítica e que harmonize padrões.

– A inclusão digital tem como base uma cidadania plena com segurança plena, fruto da inteligência e da comunicação para levar à inclusão social – finalizou o executivo da Motorola.

Infoseg

Policial e bacharel em Direito, Odécio Rodrigues Carneiro é diretor da Rede Infoseg e secretário de Segurança Pública na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça. Ele focou sua palestra na Infoseg, que definiu como uma rede de integração nacional de informação para a segurança pública, justiça e fiscalização (inclusive dos crimes de duas e de quatro rodas), com conexão com o Poder Legislativo. Tecnicamente, a Infoseg é full duplex, com dois sites redundantes e seu acesso restrito é coordenado por cada órgão respectivo.

O sistema Infoseg abrange 600 mil policiais, 400 mil servidores na área da justiça e 600 mil na área de fiscalização. A Infoseg – construída a 27 mãos pelos estados da Federação – pode ser percebida como uma infra-estrutura, uma plataforma tecnológica com Web, Java, XML, que disponibiliza dados para seus usuários em tempo real. É um produto dos órgãos de segurança dos estados, em parceria com a iniciativa privada.

A infoseg possui duas estruturas básicas, uma de atualização e a outra de consulta a dados. Na área internacional, o sistema tem convênio com a rede da Interpol da International Criminal Police Organization (IPCPO). A base de dados da Infoseg utiliza a arquitetura e-ping. Graças ao e-ping do Ministério do Planejamento ficou definido um conjunto mínimo de premissas, políticas e especificações técnicas que regulamentam a Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) no Governo Federal. O e-ping também define a interação da arquitetura com os demais poderes e esferas de Governo e com a sociedade em geral.

A gestão e o desenvolvimento da Infoseg são cooperados, incluindo a Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), Senasp, CIASC (capacitação em tecnologia, em Santa Catarina). Há um convênio oficial com a Fenaseg (Federação Nacional das Seguradoras) para verificação de placas de carros roubados e contrabando de veículos.

O fator humano é importante para a segurança e a operação da Infoseg, mas, segundo o palestrante, é um item que tem se revelado dos mais fracos. O sistema Infoseg integra todo tipo de informações como narcotráfico, armas do exército (Sigma), drogas (Sindre), informações sociais (CNIS), Polícia Rodoviária Federal (Alerta) e outras mais.

Acessaram o Infoseg, a dados de 2005, cerca de 7,5 milhões de consultas/ano, representando a quadruplicação das consultas em três anos. Durante a crise, no dia 5 de maio, em São Paulo, a média diária de consultas on-line ao Infoseg cresceu das normais 40 mil para 155 mil consultas/dia. Dentre as carências registradas por Odécio Carneiro referente ao Infoseg, citam-se a região das fronteiras, o acesso sem fio em viaturas da polícia e a necessidade de baratear o custo da tecnologia, para estender a universalização do serviço. O Infoseg foi previsto inicialmente para R$ 4 bilhões, dos quais R$ 15 milhões foram gastos até agora.

Case brasileiro

José Vicente da Silva, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário Nacional de Segurança Pública, abriu o debate dizendo que a data de 13 de maio de 2006 ficará marcada no Brasil como o dia negro da segurança pública. – Num sábado e num domingo, uma rede encabeçada por criminosos fuzilou 40 agentes públicos em São Paulo, cujas ruas das 9h às 21h ficaram vazias. Baixou o pânico sobre aquela cidade. O maior estado do País, com 150 mil policiais – uma força que inclusive reduziu em 50% os índices de homicídio – foi posto de joelhos por uma bando de criminosos.

O debatedor registrou que um dos grandes arrependimentos do Governo FHC foi não ter investido mais em segurança pública. Lembrou que ocorre uma tragédia sem nome nas nossas grandes cidades. Só em 2006, já foram 320 mil pessoas assassinadas. A estrutura legal brasileira é antiga. O Código Penal é datado de 1941. Temos uma justiça burocratizada, que se atrapalha. E quanto custa a violência para o País? Dez por cento do PIB. Até o Tribunal de Contas da União observou que não há uma política governamental à altura do problema. A área da segurança não é considerada prioridade pelo Governo.

O ex-secretário Nacional de Segurança Pública e policial por muitos anos citou pequenas medidas que, a seu ver, são absurdas. São Paulo é o único estado que não obriga o policial a entregar a arma ao ir para a casa. O policial brasileiro vai para casa desarmado e quando em serviço tem que levar seu próprio celular para não incorrer no perigo de ficar só numa emergência.

Disse o palestrante que as seguranças públicas têm alto corporativismo, mas baixa coordenação. Nas licitações públicas é o pessoal do power point que ganha os contratos, mas que não se dá conta que policiais sob pressão estragam antenas de rádio com os dentes. O policial que está na rua precisa de um sistema básico de informações. Em termos de base dados, estamos ainda no começo do começo.

– É preciso lembrar que o policial não é só para ir atrás de bandidinho ou aplicar multas de trânsito. Sem policiamento, a sociedade poderá ficar na mão dos bandidos – desabafou José Vicente da Silva.

Cases internacionais

O debatedor Jeppe Jepsen, bacharel em Ciências, enfocou o TETRA – Terrestrial Trunked Radio Standards –, um entendimento entre 130 organizações, em mais de 30 países, em torno de um padrão comum de rádio para sistemas trunking.

– Diversos tipos de modelos de negócios envolvendo Governo e iniciativa privada existem para a exploração de serviços públicos – constatou o debatedor, citando que no Reino Unido, por exemplo, a polícia aluga serviços de telecomunicações de um operador privado (Airwave).

Em toda a extensão do Reino Unido, as atividades de segurança pública formam uma grande rede compartilhada, TETRA, dotada de 3,3 mil estações radiobase com 80 mil usuários e 170 salas de controle. No entanto, um policial inglês ao apertar o botão de seu aparelho, em qualquer ponto do país, entrará instantaneamente em contato com o grupo a que pertence. Em comparação, um sistema celular convencional não possui a cobertura e a resiliência (resistência a falhas) necessárias para efetuar o mesmo serviço.

Dentre os serviços de que dispõem as forças de segurança britânica, citou Jeppe Jepsen as chamadas individuais e em grupo (conferência e um para todos), telefonia, botão de emergência, dados IP (internet protocol), SMS (mensagens curtas), escuta do ambiente, localização GPS (geopositioning system), interconexão com outras agências (patching).

– Em Londres, são 25 mil rádios da polícia equipados com GPS. Eles podem ser acionados remotamente para dar sua localização em caso de furto. O policial inglês pode tirar fotos com seu terminal e registrar o relato da ocorrência na hora. Para o summit do G-8, dois mil policiais foram de Londres para a Escócia de avião e em todo tempo estiveram conectados – relatou com orgulho o conferencista. No campo das vinhetas, disse o conferencista que um aparelho GSM com vibrador e SMS foi o que detonou uma bomba em Madri (Espanha). “É a vida que fica em perigo quando a prevenção não funciona”, finalizou o debatedor.

Outro case internacional foi apresentado por David Jones, com 20 anos dedicados à discagem do tradicional número 911 de emergência nos Estados Unidos. Ele é presidente da NEMA – National Emergency Number Association –, de 2005 a 2007, que reúne entidades públicas e privadas favorecendo um número único para emergência. A iniciativa do 911 é da década de 60 nos EUA para o serviço de bombeiros, com apoio do FCC e AT&T. O Governo Nixon, em 1968, estendeu o serviço a todo o País e com o presidente Clinton assinando a Lei.

Começando como simples número de emergência, o 911 evoluiu para roteamento da chamada para a autoridade mais adequada com identificação do número e da localização do aparelho que chama. Os anos 90 viram a revolução do celular que também pode chamar o 911, em cerca de 60% dos sistemas. O órgão regulador FCC determinou a localização do celular via GPS ou triangulação pelos sinais das ERBs (estações radiobase). Agora, discute-se o 911 sobre o Protocolo Internet e sobre a VoIP (Voz sobre IP). Já se pensa na evolução de um número de emergência mundial dotado de robustez sobre uma rede IP. “O enfoque nunca é a tecnologia e sim a paixão que você dedica ao que faz”, observou David Jones.

Debate

A fase de debates sobre telecomunicações e segurança teve participação da platéia e mostrou a forte preocupação de uma parte da sociedade sobre os assuntos tratados. O celular pode ser utilizado para tudo, O crime organizado dá suas ordens por celular do interior de presídios. O MST coordena suas atividades utilizando celular. Não se tem ainda o bom e já se deseja o ótimo, como o 911.

O bom serviço público depende de bons fornecedores. A parceria entre o público e o privado pode trazer benefícios. Que modelos são mais adequados para aglomerações de 500 mil e de 100 mil habitantes? A empresa privada pode ajudar na infra-estrutura junto ao Governo.

Na área da segurança pública, é preciso que ocorra primeiro uma revolução de baixo para cima, começando com a formação do policial, e não necessariamente de cima para baixo, com grandes megaprojetos.

Sobre os acontecimentos em São Paulo, o PCC (Primeiro Comando da Capital) não seria uma facção criminosa e sim um sindicato do crime montado a partir de organizações rivais. Os bandidos estão ganhando a guerra do crime. O preso é visto no Brasil como um pobre coitado com direito de fuga. Em outros países, a atitude é outra. As polícias aqui pouco falam entre si. Existem movimentos para integrar mais as forças armadas e as forças de segurança pública.

Debate-se como conseguir que a chamada celular não ocorra nos presídios, mas é a corrupção – e até o Congresso se corrompe – que permite que o aparelho entre nos presídios (palmas da platéia). A questão da segurança pública precisa ser discutida no Congresso, ainda que o assunto seja tido como de baixa prioridade, mesmo que o índice de crimes no Brasil seja um dos três mais altos do mundo. Estaria na evolução histórica e política do País as raízes da atual violência.

Com a chegada dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, o Brasil estará colocando a cara para fora no mundo, tal como a Alemanha faz com a Copa do Mundo. Será preciso haver cooperação em todos os níveis, com a participação do Governo, dos órgãos federais e municipais. Os Jogos Pan-Americanos têm edital no DOU para serviços. A Secretaria de Segurança Pública faz licitação sobre segurança dos jogos. A parte de TICs é objeto de licitação em separado.

Numa força de 600 mil policiais, deve haver uma boa parte de profissionais sérios. Apesar de ouvidorias e corregedorias, a corrupção permanece alta. Muitos dos projetos em andamento para os policiais estão na linha do resgate, do apoio e do treinamento. O ser humano se eleva nos momentos de crise.

Durante os debates, foi sugerido um pacto nacional, incluindo o mundo acadêmico, relativo ao Sistema Brasileiro de TV de Alta Definição. O SBTVD demonstrou que o País teve competência para achar soluções adaptadas à realidade brasileira. Deveria haver também um pacto nacional referente à área de segurança pública.

Quanto ao número de emergência 911, foi dito que a palavra-chave é uma remuneração razoável para as operadoras pela disponibilização do serviço e com foco único sobre o serviço sem divergir para outros temas. O 911 é um acesso simples para um simples número para que qualquer cidadão peça auxílio numa emergência. 

Sobre o tráfico de drogas, ele é um problema sério para o País porque vem associado com outros crimes e com o crime organizado. O PCC recebe R$ 2 milhões/mês só por tráfico de drogas. A Rocinha, no Rio de Janeiro, movimenta R$ 10 milhões/mês com drogas. Cerca de 100 toneladas de cocaína entram anualmente no Brasil, das quais metade é reexportada. A Polícia Federal consegue interceptar 5% e as polícias estaduais, 10% da droga.

No panorama das drogas, as autoridades aqui buscam mais prender lideranças subalternas do que entender que modelos e mecanismos movimentam o negócio. Se o problema das drogas é grave, o das fronteiras é gravíssimo. O Brasil tem 10 mil km de fronteiras sem nenhuma vigilância. As polícias federal, municipais e rodoviária assinaram convênio para registrar toda a droga apreendida e o seu destino. Foram necessários dois anos para fechar o acordo.

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