TELEBRASIL 2006: modelo de negócios para o Estado Digital

Viabilização do Estado Digital foi tema da última sessão do 50º Painel TELEBRASIL, ocorrido no Club Med, no Rio de Janeiro, que teve como idéia guarda-chuva “As TeleComunicações para a Inclusão Social”. Outras sessões do evento discutiram a aplicação das telecomunicações pelo Estado nas áreas da saúde, educação, segurança e previdência e que já foram objeto de matérias específicas.


A sessão referente ao Modelo de Negócios para o Estado Digital teve como moderador o consultor Eduardo Prado. O espaço contou com quatro expositores que mostraram algumas experiências de sucesso rumo ao Estado Digital brasileiro.

Proferiram palestras: Rogério Santanna dos Santos (Ministério do Planejamento), Mônica Bandeira (ATI-PE), Rafael Steinhauser (presidente da Cisco) e Franklin Coelho (Pirai Digital). Seguiram-se debates.

O moderador Eduardo Prado abriu os trabalhos tratando das cidades digitais, um conceito que surgiu na Alemanha em 1994. Falou da hierarquia das quatro famílias de redes sem fio ora disponíveis: WPAN (wireless personal area network), WLAN (local area), WWAN (wide area), WMAN (metropolitan area). A cidade digital é baseada na conexão Internet em banda larga, que oferece mais segurança, atrai investimentos e pode mudar a qualidade de vida do cidadão. Se vale das conexões cabeadas com ADSL (asynchronous digital subscriber loop) e sem fio Wi-Fi (para locais públicos), Wi Max e Wi Mesh (para áreas maiores) para atingir o usuário.

Vários modelos de negócios existem para as cidades digitais, com o município fornecendo o serviço, contratando-o com terceiros ou via empresas de utilidade pública. O conceito de cidade digital pressupõe novos serviços em banda larga disponíveis para todo cidadão.

Os fornecedores clássicos já oferecem soluções para tanto. Tudo é uma questão de recursos e de percepção política dos alcaides das cidades.

Os EUA já possuem 200 cidades digitais, com destaque para Filadélfia. Em Taiwan, Taipei já se diz a maior cidade digital do mundo. A British Telecom, operadora convergente com 40% de sua receita advindas dos serviço de voz, planeja instalar Wi-Fi em várias cidades. Quanto ao futuro, previu o consultor que ele será o da banda larga móvel com Wi-Fi, alimentada por Wi-Max.

Ministério do Planejamento


Falando não oficialmente, Rogério Santanna dos Santos, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Comitê Gestor da Internet, centrou sua exposição no Plano Nacional de Difusão de Banda Larga. Não se fará governo eletrônico e não se baixará o custo da microeconomia, se o País não dispuser de um sistema de banda larga. Hoje, o Brasil apresenta baixa densidade na utilização da banda larga.

Uma certidão negativa que pode levar dias para conseguir teria seu procedimento muito mais simplificado, num cenário de governo eletrônico. A implantação da assinatura e da certificação digitais simplificará extraordinariamente o relacionamento cidadão-governo.

Lembrou o palestrante que nenhum país apresenta uma infra-estrutura bancária tão eficiente e capilar como o Brasil e isto ajudará muito na implantação de um governo eletrônico.

O celular no Brasil tem seu ecossistema de sucesso com base a concorrência e no oferecimento de produtos para o público. Todavia, qualquer coisa grande no Brasil tem que ter sucesso não só junto às classes A e B (21 milhões de pessoas) como também nas C e D (cerca de 127 milhões). Um ganho de 20% junto às classes C, D e E dobra o tamanho de qualquer mercado.

Disse o palestrante que no âmbito do Comitê Gestor da Internet, pensa-se em algo como R$ 5 milhões para experiências-piloto em cerca de dez cidades digitais, além de R$ 5 milhões para criar eletrificação rural, com telecomunicação. Um dos planos é ligar com Internet todos os municípios brasileiros, bem como aquelas cidades e localidades condenadas à eterna desconexão, por não apresentarem viabilidade econômica.

Prosseguiu Rogério Santanna dos Santos afirmando que, numa primeira fase, se pretende atingir, com banda larga, todos os órgãos que provêem consultas ao público, tais como hospitais e postos de saúde, escolas, universidades, bibliotecas e prédios federais.

– Será preciso quebrar o ciclo de que o rico não pode mais sair para gastar nos shopping centers, onde o pobre não pode entrar – disse o palestrante. Há uma boa perspectiva para a parceria público-privada com o descongelamento do Fundo de Universalização dos Serviços das Telecomunicações. Poderão surgir redes comunitárias de uso público dotadas de rádio inteligente gerenciando o espectro e com tecnologia de rede (Wi Mesh).

ATI-PE e Cisco


A presidente da Agência de Tecnologia da Informação de Pernambuco, Mônica Bandeira, detalhou o Projeto PE-Multidigital e o conceito de Estrada Estadual Digital. Em realidade, trata-se de um projeto de e–Gov (Governo Eletrônico) com uso de TICs (tecnologia da informação e comunicação) para a resolução das questões sociais.

Está chegando em Pernambuco a Rede PE-Digital, suportada por um backbone que atravessa o estado de leste a oeste, levando uma conexão a 2 Mbit/s para o agreste a um custo de investimento de R$ 20 milhões. O Governo criou a modelagem do projeto que inclui não só a implantação da infra-estrutura do backbone, mas prossegue com o desenvolvimento de aplicações e com a disseminação de acessos Internet.

– Onde conseguir o dinheiro para tal empreitada? – indagou Mônica Bandeira. Os recursos foram decorrentes de redução de custos do Governo do estado que gastava muito em suas telecomunicações. Foi montado um grupo de trabalho que, no período de 2003 a 2005, respondeu ao desafio. O GT desenvolveu um modelo baseado no aluguel com prestação de serviços de banda larga e IP (internet protocol). Onze municípios de Pernambuco aderiram ao projeto e compraram o aluguel da rede.

A Rede-PE Digital também vai ter pontos de presença em Brasília (para a política) e São Paulo (para negócios). Serão noves salas de videoconferência no interior do Estado e três em Recife. Também será utilizada a voz sobre IP. O Governo conseguiu reduzir em 53% as suas despesas com comunicações de voz. “É um projeto pioneiro que atende à sociedade e ao Governo”, finalizou  Mônica Bandeira.

O presidente da Cisco do Brasil, Rafael Steinhauser, com 18 anos de experiência no setor, começou sua exposição lembrando que o Brasil, apesar de ser o 13o país no ranking de desenvolvimento econômico, não se tornará um país competitivo caso não atinja um desenvolvimento social correspondente.

Estudos indicam que há forte correlação (0,91) entre a competitividade global e a conectividade e entre (0,71) o PIB per capita e a competitividade global. As comunicações em banda larga desempenham papel central para disseminar as novas aplicações. Mais da metade dos circuitos de comunicações nos EUA suporta aplicações baseadas na rede (Network Base Applications). Faz 20 anos que a Coréia tinha um PIB igual ao do Brasil. Hoje é três vezes maior, o que pode ser atribuído à educação e à comunicação.

– Se o Brasil não prestar atenção à necessidade da implantação de banda larga, ele ficará para trás – percutiu o executivo. A Cisco lançou o “barômetro da banda larga” para medir e acompanhar os avanços na implantação de banda larga por velocidade e por estado. O objetivo é caminhar para 10 milhões de acesso em banda larga até 2010. A cidade digital começa a surgir como oportunidade no Brasil.

A cidade de Tiradentes (MG) não vai se destacar apenas por sua história, mas também por ser uma das primeiras a ter cobertura de rádio banda larga em estrutura Wi-Mesh. A solução rádio Wi Mesh diferentemente da Wi-Max (cobertura de área) ou Wi-Fi (cobertura localizada) não tem suas estações cabeadas e sim utiliza o próprio rádio para encaminhar o tráfego para antenas adjacentes.

Também foram efetuados testes em Belo Horizonte (MG). Em Tiradentes, foram quatro antenas, com capacidade de 320 usuários cada, com a Telemar conectando. O custo foi de US$ 30 para o usuário final.

Para a implantação em larga escala da banda larga, existem desafios a vencer. Em primeiro lugar, a definição do modelo de negócios. Quem vai instalar, operar e dar acesso ao sistema? Todos os agentes. A tecnologia se aplica para cidades grandes e pequenas? Sim, para todos os serviços. E os preços? Dependerão da escala de uso. E os aspectos regulatórios? Será como criar uma entidade que forneça os serviços. E o desenvolvimento humano? Será preciso treinamento e novas formas de gestão. A palestra terminou com um apelo: “todos os atores devem participar do processo com sinergia para que a banda larga se torne uma realidade no Brasil”.

Piraí Digital

A cidade fluminense de Piraí, com 22 mil habitantes, é considerada uma das sete mais digitalizadas do mundo. É um dos exemplos mais conhecidos – e premiados – de projeto para a inclusão digital. A municipalidade de Pirai, com a privatização da Light, implantou ao final da década de 90 um condomínio industrial atraindo um núcleo de novas empresas para a região. Como passo subseqüente, Piraí ganhou uma estrutura digital, interligando todos os prédios da administração municipal, escolas e telecentros, atendendo a 220 pessoas por dia.

O professor Franklin Coelho, da Universidade Federal Fluminense, discorreu sobre o projeto, do qual participou. A rede de Piraí provê acesso em banda larga e interliga 400 estações de trabalho, num raio de 20 km, utilizando uma arquitetura SHSW (sistema híbrido com suporte wireless) e adotando software livre. O sistema provê Voz sobre IP, correio eletrônico e estimula o e-commerce. A Piraí Digital contou com a parceria público privada, incluindo ONGs e universidades.

Para o consultor em comunicações Wilson Vedana, da área de Ciência e Tecnologia, o projeto Piraí e o de Rio das Flores são frutos de um programa de inclusão digital com universalização do acesso. O sucesso da Piraí Digital fez nascer a idéia de interligar e promover a digitalização de outras cidades vizinhas, estimulando o compartilhamento de custos. Ficou formado, assim, o corredor digital fluminense com as cidades de Rio das Flores, Barra do Piraí, Valença, Rio Claro e Nova Iguaçu.

Prega a Unesco que a informação é um pré-direito estabelecido. Por sua vez, o caminho para a cidade digital é o diálogo com os detentores do território. Em Piraí, o Conselho da Cidade se integrou com o Plano Diretor da localidade. Em Rio das Flores, deu-se a participação do governo local. Em Nova Iguaçu, houve integração com o projeto Bairro-Escola.

No município de Piraí, ocorre o acesso digital em 100% das áreas urbanas e rurais do município, com a área da saúde toda conectada. Em Rio das Flores, a rede digital se vale do acesso do projeto GESAC (Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão), do Ministério da Cultura. Usar as tecnologias Wi-Fi, Wi-Max, Wi Mesh, VoIP ou IPTV depende do que se quer. O desafio é acertar o modelo de negócios e o conteúdo a ser veiculado.

No corredor digital, escolas públicas recebem laboratórios de informática que estabelecem nova relação entre professor e aluno no desenrolar do processo. As bibliotecas públicas têm terminais de auto-atendimento, como fruto de parcerias público privado. Os terminais de auto-atendimento de uso público (e-gov) permitem obter IPTU e falar com as ouvidorias. A questão do software livre não é só tecnológica e remete ao desenvolvimento de recursos humanos necessários.

O município de Sud Mennucci (SP), com 8 mil habitantes na região de Araçatuba, virou uma cidade digital. A prefeitura adquiriu um link de alta velocidade com a Telefônica. Com tecnologia Wi-Fi (padrão IEEE 802.11b) e uma antena, foram interligados os órgãos da prefeitura. O custo do link de R$ 3,2 mil/mês permitiu à prefeitura estender à população o acesso gratuito de Internet.

Segundo o consultor em comunicações Wilson Vedana, metade da população brasileira não acessa a Web, mas despende entre R$ 5 e R$ 7 para usar o pré-pago. Ocorre conflito entre a LGT (Lei Geral das Telecomunicações) e a Lei do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), em relação à universalização para Internet em banda larga.

A grande rede de computadores deveria ser gratuita e um bem público, como é o acesso à saúde pública ou à educação. A telefonia celular, hoje, cobre metade dos municípios brasileiros com a modalidade pré-paga, sendo subsidiada pela tarifa de interconexão com a rede fixa. Os denominados hot spots são gratuitos, mas que tipo de negócio representam? O FCC e a Skype desenvolvem modelos de Internet gratuita para todos. No Brasil, a Internet poderia ser um projeto de governo, implantada com recursos do Fust e mantida através de publicidade local. A licença da freqüência seria gratuita.

Debate

Foi discutido o cenário de que se os recursos do Fust financiassem a implantação do acesso para Internet em banda larga, já seria um grande passo. Um ponto-chave seriam os provedores de acesso à Internet. Outro ponto-chave seria o provimento do terminal, que – com ou sem computador de 100 dólares – continua um item não resolvido. Na classe A, 80% das pessoas têm computador com acesso à Internet. Esse índice cai para 50% na classe B e para 24% na classe C, que se deseja alcançar.

Dentre as proposições debatidas, foi citada a retirada de impostos para os operadores de rede e o barateamento do custo do acesso Internet em banda larga para R$ 6 a R$ 7 mensais. Os dispositivos terminais serão cada vez mais variados, incluindo celulares, palm tops, PDAs (personnal digital access) e notebooks. A solução do celular subsidiado poderia resolver o problema da barreira de entrada. Outro grande momento seria introduzir competição na banda larga para baixar os preços, com plano de numeração para o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Ocorreria a descentralização da rede pública.

Dentre os próximos passos para a introdução da banda larga em alta escala, foram citados um fórum aberto para discussão, um ambiente regulatório que não iniba sua implantação, uma nova discussão para a carga tributária. O País tem fibras ópticas disponíveis com capacidade disponível.

A experiência digital de Pernambuco mostrou que o objetivo do governo não é implantar, ele mesmo, a infra-estrutura e sim atender o cidadão. Os exemplos estrangeiros nem sempre são aplicáveis ao Brasil, que tem suas especificidades. Falta um Projeto de País que inclua a banda larga. Há dificuldade na identificação de quem é o interlocutor no Governo. Nem todas as áreas do Governo estiveram presentes ao TELEBRASIL 2006. Será preciso se estruturar bem um projeto e levá-lo ao Governo ou percebe-se que nada poderá acontecer.

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