51° Painel TELEBRASIL: Brasil Digital surge como realidade irreversível – XIV

Neste módulo, o pronunciamento de Gustavo Eugênio Maciel Rocha (Azevedo Sette Advogados) sobre PPPs – Parcerias Público-Privadas – como parte do bloco “Serviços Públicos: a Busca da Qualidade, Universalização e Transparência”. O 51o Painel, ocorrido na Costa do Sauípe (BA), de 31/05/2007 a 02/062007, teve como tema o Brasil Digital.

Gustavo Eugênio Maciel Rocha (Azevedo Sette Advogados)
Apesar das dificuldades, as PPPs vieram para ficar.

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A palestra do advogado e professor de Direito Constitucional Gustavo Eugênio Maciel Rocha (Azevedo Sette Advogados), examinador da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ocorreu no primeiro dia do Painel e teve como tema “Serviços Públicos: a Busca da Qualidade, Universalização e Transparência”, apoiado na tese de que é obrigação do Estado prestar serviços públicos adequados à população.

Hoje, surge a conscientização de que tal responsabilidade não deve ser apenas do Estado e sim de toda a sociedade. Com didática impecável, o palestrante equalizou, a título de intróito, os conhecimentos jurídicos da platéia, explicando o “Ordenamento Normativo Brasileiro” e, justificando, que, diferentemente da engenharia, nem sempre para o advogado dois mais dois são igual a quatro. Isto não significando que haja ausência no Direito de uma lógica sistêmica.

Segundo a pirâmide Kelsiana – do jurista austríaco Hans Kelsen –, há uma hierarquia no sistema jurídico, tendo no topo a Constituição Federal (a norma maior); no nível intermediário, as normas infra-constitucionais (leis complementares, ordinárias, medidas provisórias); e, na base, as normas regulamentares (decretos, resoluções, instruções normativas, portarias e circulares) emitidas pelo Poder Executivo. Outra lógica do sistema jurídico brasileiro tem a ver com a organização da República Federativa (União, estados, Distrito Federal e municípios), onde cada unidade federativa, dotada de autonomia política e administrativa, tem o poder de legislar.

Os serviços públicos são tratados no artigo 175 da Constituição Federal (CF), segundo o qual “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob forma de concessão, feita através de licitação, a prestação de serviços públicos. “Para dispor sobre a obrigação de manter os serviços adequados, foram geradas as Leis 8.987/95 (Normas Gerais de Permissões e Concessões), 9.074/95 (Complementar) e 8.079/04 (PPPs). Sem colidir com as normas federais existentes, estados, Distrito Federal e municípios têm competência suplementar para legislar sob forma de normas específicas”, ensinou o palestrante, aduzindo quê:

– O Fundamento Constitucional do Serviço Público está no 1º artigo da CF, que remete aos fundamentos da República Federativa do Brasil, no que tange a cidadania (serviços públicos com pleno acesso para todos) e a dignidade (serviços públicos prestados com qualidade e transparência). O serviço público, em si, não constituiu um favor do Estado – que deve prestá-lo de forma adequada – e sim é um direito do cidadão que paga impostos, ainda que esteja na Belíndia (paga impostos da Bélgica para um serviço público da Índia).

Segundo Gustavo Eugênio Maciel Rocha, até os anos 90, acontecia no País um circulo vicioso, representado por um estado ineficiente, prestando um mau serviço público com impostos deficitários, mas utilizando uma estrutura inflacionária para financiar a sua máquina administrativa, ao invés de usar os recursos disponíveis para a melhoria da qualidade do serviço que deve prestar. Ainda que houvesse a consciência que hoje existe, de que o Estado necessita da participação do setor privado para atuar de forma mais efetiva, isto não seria possível na época pela não existência jurídica de normas claras de como tal participação se daria.

Após a década de 90, a estrutura legislativa foi modificada para incluir o Programa Nacional de Desestatização (Lei 8.031/90, Governo Collor); Lei de Licitações (Lei 8.666/93, Governo Itamar); Lei de Concessões e Permissões (Lei 8.987/95, Governo FHC I); e duas leis setoriais para normatizar e legitimar processos de privatização (Lei 9.074/95 para energia elétrica e Lei 9.472/97, LGT). Mais recentemente foram emitidas as leis do Terceiro Setor (Lei 9.790/99), que criaram conceitos modernos e eficazes como as Oscips(Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), contratos de gestão (Lei 9.637/98), contratos de programas (Lei 11.107/05), que foram inovadoras para a sociedade civil prestar serviços de interesse público e social. No Governo Lula, foi a vez da Lei 11.079/04 que institui as Parcerias Publico-Privadas (PPPs).

– Quais os pressupostos de um serviço concedido? São os mesmos que devem reger os serviços públicos prestados pelo Estado, com a prestação (Lei 8.987/95 art.6º §1º) do serviço adequado – satisfazendo as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, cortesia, generalidade e modicidade de tarifas –, para o pleno atendimento aos usuários. A atualidade, inclusive, pressupõe a modernidade das técnicas, dos equipamentos e das instalações, bem como a melhoria e a expansão do serviço (Lei 8.987/95 art. 6º §2º).

Para Gustavo Eugênio Maciel Rocha, o modelo das telecomunicações deu certo por ter sido centrado no usuário. Foi criado um marco regulatório que – bem ou mal – cumpriu o seu papel. Na LGT (Lei Geral de Telecomunicações) criou-se o paradigma de enfocar os resultados, com metas de universalização e de qualidade impostas para as concessionárias (a maior parte delas foi cumprida). A dimensão da inovação tecnológica também foi levada em conta, bem como o direito do consumidor. Observou o palestrante que no Juizado de Pequenas Causas e no Procon (Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor), o fato das maiores estatísticas de reclamações estarem no setor de telecomunicações deve ser visto de maneira positiva, como uma prova de que o direito do consumidor é respeitado. O modelo das telecomunicações inclui a competição que, no caso do serviço móvel, faz com que as tarifas não subam e a qualidade do “servição” não decresça.

Finalmente, uma análise dos resultados quantitativos do setor de telecomunicações mostra que, de 1998 a 2004, em apenas sete anos, foram triplicados o número de telefones fixos comutados.

Parcerias Público-Privada

Abordando o âmago de seu pronunciamento, o palestrante alertou que a Parceira Público-Privada (PPP) não é sempre uma panacéia pronta para resolver qualquer tipo de problema. “Apesar disso, a PPP é uma das formas mais inteligentes criadas para aproximar os setores público e privado para a prestação de um serviço público adequado”.

Há dois pilares no novo paradigma das PPPs. Um deles é o partilhamento de riscos e o outro, o estabelecimento de metas. No sistema tradicional, é o concessionário que assume todo o risco do negócio. Numa PPP, porém, perdas, ganhos e riscos são divididos entre os parceiros privado e o Estado. Dividem-se os prejuízos e repartem-se os lucros. O outro pilar são metas que o concessionário deve cumprir e que estão definidas na licitação. A remuneração plena do concessionário só irá ocorrer quando tais metas foram cumpridas integralmente. A ênfase nas PPPs é mais no resultado do que nos meios com os quais o serviço é efetuado.

A seguir, o advogado perguntou retoricamente: “o que é PPP? São duas novas modalidades de concessão; a patrocinada e a administrativa. A PPP patrocinada se assemelha a uma concessão comum, na qual, além da tarifa paga pelo usuário, há uma transação pecuniária complementar, paga pelo parceiro público. Uma rodovia com pedágio tem uma tarifa paga pelo usuário, que remunera o investimento. Numa PPP patrocinada, o investimento também é remunerado de forma complementar, com uma transação pecuniária. Já na concessão administrativa, a administração é a única que, direta ou indiretamente, é a usuária do serviço – escola, hospitais, presídios – com remuneração feita exclusivamente com uma contraprestação pecuniária”.

Que serviços públicos podem ser prestados via PPP? Do ponto de vista legal, não há nenhuma restrição quanto à natureza do serviço público, em si, que pode ser prestado pelo mecanismo de PPP. Até mesmo os serviços digitais. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal têm uma PPP para montar e operacionalizar um data center que vai servir a essas duas instituições. O Programa “O Governo se comunica”, do Governo de Minas Gerais, é uma espécie de PPP para universalizar o serviço de telecomunicações para atender a 100% dos municípios mineiros. Embora as empresas tivessem a concessão ou autorização para operar nas localidades, lhes faltavam o interesse econômico para investir. No caso, o Governo subsidiou as empresas através de financiamento e elas passariam a prestar o serviço.

Outro modelo sendo muito discutido para ser implementado via PPP é o dos shopping centers de serviços. Popularmente conhecidos como “Poupa Tempo”, eles existem em algumas cidades paulistas, como em Guarulhos e Bauru” e oferecem serviços como emissão de carteira de identidade, CPF e carteira de habilitação, antes efetuados apenas por autarquias estatais e, hoje, sendo feitos com muito sucesso via concessões.

E que serviços não podem ser celebrados por PPPs? Contratos cujo valor for inferior a R$ 20 milhões (valores em UFIR – Unidade Fiscal de Referência); com prazo inferior a cinco anos – que bate no teto da Lei das Licitações 8.666/93 que estabelece até 60 meses para contratos administrativos de prestação de uso contínuo – e superior a 35 anos; cujo objeto único seja apenas o fornecimento de mão-de-obra ou de apenas o de fornecimento de instalação de equipamentos ou de execução de obra pública. Também não poderá haver delegação das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado que se mantêm na mão do Poder Público.

Gustavo Eugênio Maciel Rocha indagou sobre “que barreiras precisam ser vencidas para que as PPPs funcionem”. Em primeiro lugar, é lidar com o novo. A novidade incomoda, gera preocupações. Investidores estão ressabiados com um histórico que gerou a fama de um estado mau pagador. Devido a esta falta de credibilidade para com o Estado, o Brasil inovou e criou o dispositivo – único no mundo – do Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas. Outra barreira é o arcabouço jurisdicional recente, com jurisprudência sendo consolidada. Também é obstáculo o marco regulatório insuficiente. Há necessidade imprescindível de haver uma agência reguladora e um marco regulatório para cada setor em que atuam as PPPs. As agências, bem ou mal, estão funcionando, mas nem todas da forma esperada, com autonomia política e transparência. A última barreira é o risco da interferência política que sempre existirá com exemplos que existem”.

– Em São Paulo, já houve a licitação da linha 4 do metrô, com contrato assinado. Em Minas Gerais, já houve a primeira licitação de rodovia (MG-050); a assinatura do contrato já aconteceu. Na Bahia, houve a licitação de PPP de um emissário submarino. A primeira PPP Federal foi a do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. -Em que pesem as dificuldades, as PPPs vieram para ficar – concluiu otimista o palestrante.

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