52º Painel: em entrevista exclusiva, Eli Noam trata de teleinformação, Internet e dá uma visão do mundo

Economista mundialmente conhecido, Eli Noam foi palestrante convidado do 52º Painel da TELEBRASIL, em 6 de junho último, na Costa do Sauípe (BA), trazendo uma visão externa sobre o tema “Conteúdo Multimídia e Serviços Digitais”. Em sua palestra, tratou das novas maneiras de se ver e de se modelar a televisão. Concedeu entrevista à TELEBRASIL, na qual revela, ao final, que gostaria de ser engenheiro eletrônico.

Piloto, advogado e escritor, além de economista, Eli Michael Noam, com 60 anos, aos 21 já participava como piloto israelense da Guerra dos Seis Dias contra o Egito e, aos 27, da Guerra de Outubro do Yom Kippur ou do Ramadam, de Israel contra Egito e Síria. Tem brevê multimotor e, ainda hoje, como cidadão norte-americano, pilota o seu próprio avião. Aos 24 anos, formou-se no prestigioso Colégio de Harvard, em Economia e História, com a tese Summa cum Laude e prosseguiu com mestrado no Departamento de Economia de própria instituição. Aos 29 anos, terminou seu J.D. (Juris Doctor), na prestigiosa Harvard Law School, e seu PhD no Departamento de Economia da mesma Universidade.

É membro de inúmeras associações, incluindo o Conselho de Relações Exteriores (Foreign Relations Council) dos EUA; e é fellow do Conselho Mundial Econômico (Davos, 1974). Leciona Economia e Finanças na Escola de Negócios de Columbia desde 1976. É diretor do Instituto Columbia de Teleinformação (Columbia Institute for Tele-Information – CITI). Criou dentro da Escola de Negócios Columbia, um MBA com concentração em gerenciamento de mídia, comunicação e informação.

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TELEBRASIL – Identifique-se por favor?
Eli Noam – Sou Eli Noam, professor de Economia na Universidade de Columbia e diretor do Instituto de Teleinformação.

O professor Noam trata da teleinformação.

TLB – A teleinformação afeta todos os países?
EN – Sim; afeta os países ricos primeiro e depois, com um certo retardo, os países pobres.

TLB – Como a teleinformação afeta os países pobres?
EN – Afeta o pessoal profissional, comercial, do Governo, da comunidade científica, que adota a teleinformação de maneira bastante rápida e os torna integrante da grande rede mundial.

TLB – A teleinformação só tem aspectos positivos para os países pobres?
EN – Também existem aspectos negativos, na medida em que tais países podem não se atualizar e vêem crescer o fosso digital que os separa dos demais.

TLB – Sobre agências reguladoras, elas são necessárias?
EN – Quando se tem regras gerais aplicadas a atividades comerciais, elas pouco funcionam. As agências reguladoras são dotadas de conhecimentos especializados.

TLB – O que caracteriza a atividade da teleinformação?
EN – Ela ocupa um lugar central na sociedade. É uma atividade essencial que necessita de economia de escala.

TLB – É por isso que os provedores de rede são empresas grandes?
EN – Sim e são relativamente poderosas. No caso da operação celular, o ambiente – como no Brasil – é geralmente muito competitivo. No caso da operação com fio, é mais difícil constatar um ambiente competitivo.

A Internet não é uma coisa monolítica.

TLB – Na Internet, o ambiente é competitivo?
EN – A Internet, hoje, contém tantas partes distintas que é difícil tratá-la como uma coisa única.

TLB – Que partes são essas?
EN – Há o backbone ou espinha dorsal da Internet. Esse segmento pode ter muita competição.

TLB – Que mais?
EN – Há a Internet como provedora de banda larga. É um ambiente com muito menos competição.

TLB – O Sr. poderia exemplificar?
EN – Nos EUA, numa dada localidade, competem apenas a empresa telefônica e a empresa de televisão a cabo. No Japão, há provedores independentes para banda larga, mas todos utilizam a mesma infra-estrutura da companhia telefônica. Nesses casos, ocorre de fato o poder de mercado.

TLB  E no mundo das aplicações como se comporta a Internet?
EN – Em muitas das aplicações, como o Google para mecanismo de busca ou o YouTube para vídeo ou o e-Bay para licitações ou ainda o Amazon.com para livros, verifica-se que os grande atores possuem imensas fatias do mercado.

TLB – A idéia de que a Internet é um ambiente aberto e competitivo seria uma lenda?
EN – Exatamente. Há inúmeros aspectos na Internet onde se exerce o poder de mercado. É bem verdade que o sistema é tão dinâmico que uma empresa pode ser suplantada por outra que está chegando. Mas, de uma maneira geral, a economia de escala e os efeitos de rede são enormes na Internet.

TLB – Como se dá a propagação da tecnologia na Internet?
EN – Coisas que acontecem primeiramente, por exemplo, nos EUA tendem a permear o restante do mundo. É tão fácil e simples fazê-las rolar para todos. O Google é um desses exemplos. A wikipedia é outro caso. São boas idéias, sem dúvida. Mas, será difícil surgir uma segunda wikipedia ou um segundo Google.

TLB – Tem gente que tenta…
EN – As coisas acontecem por ciclos. Nos estágios iniciais, uma empresa pode por um breve tempo ser dominante. Outra, porém, chega com um sistema melhor.

TLB – Quando a empresa cresce o que acontece?
EN – Quando, hoje, se vê o Google com enormes recursos financeiros e de tecnologia e grande número de servidores no mundo inteiro seria, é até fácil alguém surgir com uma melhor idéia para competir. Se isto viesse a acontecer, o Google compraria a iniciante.

TLB – Grandes empresas de mecanismo de busca podem parar o mundo?
EN – Vamos supor que uma dessas grandes empresas quisesse excluir o acesso do Brasil, por exemplo, à suas facilidades. Isto criaria o caos. No entanto, tal fato não deverá acontecer.

TLB – Por quê?
EN – Porque não seria difícil para os usuários contornar qualquer tipo de bloqueio. Obviamente, em termos pessoais, eu me sentiria mais confortável se houvesse uma ou mais alternativas com relação à utilização de mecanismos de busca.

TLB – Isto seria bom para a empresa dominante?
EN – Sim. A competição tenderia a aperfeiçoá-la. Eu não sou favorável a empresas que tenham grande poder de mercado. Sou favorável que haja um ambiente competitivo.

TLB – Quanto à competição?
EN – Nos EUA temos Google, Yahoo e Microsoft que competem entre si.

TLB – Seria possível vedar o acesso de um país a mecanismos de busca?
EN – Eu não creio, mesmo remotamente, que o governo norte-americano pudesse intervir e vedar ao Brasil, por exemplo, o acesso a mecanismos de busca. É uma idéia tão fora da realidade e contraprodutiva que eu não imagino, nem de maneira remota, que isso possa acontecer.

O acadêmico Eli Noam acedeu responder ao repórter sobre sua visão geopolítica do mundo.

TLB – Sua visão sobre China?
EN – Com uma imensa população, é um grande país cheio de gente talentosa, cuja economia cresce a cerca de 10% anuais. Há muita coisa errada com seu sistema político, mas é um país cheio de dinamismo e com mobilidade social.

TLB – E o futuro da China?
EN – Vai procurar seu lugar ao Sol. Há um tom nacionalista que congrega as pessoas em torno de uma causa comum. A China continuará crescendo, mas…

TLB – Mas?
EN – Tem problemas domésticos e políticos a resolver. Poderá ter um período de instabilidade – como sucedeu com a Rússia – na sua transição.

TLB – O que distingue a transição da China?
EN – Obviamente, os chineses procuram evitar que haja instabilidade. Estão mais orientados para a ordem. Eles sabem que cuidar da ordem é realmente algo importante, mas nunca se sabe como as forças sociais podem ser contidas numa sociedade tão complexa.

TLB – A China continua como uma interrogação para o mundo ocidental?
EN – Pessoalmente, sobre a China acho que – até que ela tenha gerenciado, com graça, sua transição de um país parcialmente rural até a uma democracia popular – nunca se terá certeza se ela poderá, ou não, se desmanchar.

TLB – Trata-se na China de um novo capitalismo?
EN – É uma boa pergunta.

TLB – Como professor de economia gostaria de falar sobre o capitalismo?
EN – O capitalismo, apesar de aspectos negativos, pode ser justificado pelas idéias de oportunidade e de liberdade. Se o capitalismo estiver divorciado do conceito de liberdade aflora seu lado negativo, sem a contrapartida de seus aspectos atraentes.

TLB – Um capitalismo sem liberdade?
EN – Ele existiu na Alemanha e na Itália durante o nazismo e fascismo. É o capitalismo com o controle de estado. Eu não creio, porém, ser esta uma solução estável.

TLB – Por quê?
EN – O crescimento econômico do capitalismo gera uma classe média e, historicamente, a classe média não aceita um regime ditatorial.

TLB – Hoje, se fala dos “dragõezinhos chineses” como um híbrido entre estado e iniciativa privada. O Sr. concorda com essa visão?
EN – Muitos países têm procurado esse arranjo. A França tem estatais fortes. O Brasil já experimentou esse processo. Isso vem aliado a um governo mais centralizador.

TLB – É um sistema que funciona?
EN – A curto prazo, sim. Lembrei-me de Mussolini que fez os trens obedecerem aos horários.

TLB – Por que só a curto prazo?
EN – A característica última do capitalismo para o crescimento econômico é a da oportunidade dos indivíduos em achar novas maneiras de desenvolver coisas.

TLB – O desejo de expansão com vistas ao lucro?
EN – Sim. Se é dado ao governo muita influência, é preciso ir ao ministro, lutar com a burocracia para abrir uma nova empresa. As coisas não acontecem. É como se houvesse um mecanismo que faz com que as coisas andem mais devagar.

Continuando o tour sobre o mundo…

TLB – Me desculpe pela pergunta. Fala-se muito de crise econômica e de um possível declínio americano. Ele estaria acontecendo?
EN – Existem alguns elementos de crise, mas há também muita especulação intelectual fantasiosa no momento. Hoje, se tornou moda falar nesse tema.

TLB – A crise de energia?
EN – É verdadeiro que, ao se tratar do preço de energia, o controle está em mãos de alguns países produtores de petróleo. Efetivamente, eles estão explorando o restante do mundo.

TLB – O Brasil está descobrindo mais petróleo…
EN – Desejo sucesso. O mundo precisa de petróleo. Quanto mais produtores houver, melhor.

TLB – Quanto ao oriente já comentamos sobre da China. E Índia, Coréia e Japão?
EN – O Japão é um bom exemplo. Há cerca de 25 anos, era considerado um exemplo de sucesso com sua economia crescendo rapidamente. Veja o que aconteceu.

TLB – O Japão teria poupado demais?
EN – Também. Mas tinha um sistema político rígido. Um sistema de grandes empresas e de mecanismos de financiamento com pouco espírito empreendedor.

TLB – E nos Estados Unidos?
EN – Nos anos 90, os Estados Unidos aceleraram novamente e se tornaram a inveja do mundo, outra vez. Agora têm ocorrido alguns anos menos dinâmicos. Mas, todos os elementos de sucesso estão presentes. Uma base científica sólida, uma comunidade econômica forte, espírito de tomada de riscos.

TLB – Os EUA continuam na fronteira do desenvolvimento tecnológico?
EN – Quem compete com os EUA nos produtos de tecnologia da informação? Em certo países e em certos produtos pode até haver alguma competição.

TLB – Por exemplo?
EN – Um país não precisa ter um superpoder para desenvolver tecnologia. Israel, por exemplo, apesar de pequeno é um país high-tec.

TLB – Mas, no conjunto…
EN – Os EUA, porém, continuam com o Silicon Valley, com Hollywood na área de conteúdo e com um forte sistema universitário. É ainda o lugar para onde os talentos do mundo afluem para estudar e para trabalhar.

TLB – Existiria um sentimento de anti-americanismo?
EN – Parcialmente por causa da Guerra no Iraque. Vou freqüentemente à Europa e tenho sentido, junto às elites educadas, um certo anti-americanismo do tipo mais pernicioso por ser velado.

TLB – A Europa seria uma competidora dos EUA?
EN – Ela não precisa mais dos EUA para se defender do bloco soviético. Agora, europeus podem conduzir negócios de maneira independente no Oriente Médio, porém…

TLB – Porém?
EN – … a Europa tem tantos problemas estruturais internos como alta tributação, dificuldades para o empreendedorismo. Eu perguntaria qual a maior inovação que veio da Europa?

TLB – O celular? (risos)
EN – Eu não concordo. Eles tiveram sucesso no GSM. Isso não foi devido à tecnologia per se (o CDMA norte-americano era melhor) e sim pela organização política.

TLB – A Europa não tem um sistema integrado de P&D?
EN – Aquele que recebe o suporte de todo o estado europeu significativo?

TLB – Sim, esse mesmo.
EN – Esse é um modelo antigo. É muito século XIX e estamos agora no século XXI. Se eu fosse o Governo norte-americano, não ficaria preocupado com a Europa.

América Latina e a Amazônia.

TLB – Vamos falar sobre a Amazônia?
EN – Amazon dot com? (risos)

TLB – O senhor tem dois doutorados (PhDs) e ainda tem tempo de ser piloto?
EN – Os doutorados foram mais simples. Pilotar pode ser mais difícil. O vôo por instrumentos pode ser um desafio mental muito interessante.

Atividades como docente.

TLB – O que o senhor leciona?
EN – Leciono como professor de Economia de Negócios na “Columbia Business School” e também sobre mídia, informação e comunicação. Essa é uma área ainda pouco explorada nos EUA.

TLB – Como assim?
EN – Quando, em economia, se fala nos fatores tradicionais da produção, temos muitos especialistas sobre o fator trabalho, sobre recursos humanos, sobre recursos financeiros. Mas, quando se trata dos recursos de informação na produção, falta um corpo teórico, que é justamente o objeto de minhas pesquisas.

TLB – A jurisprudência também não é importante para esse contexto?
EN – É sim, mas está fora do âmbito de minhas pesquisas. É importante porque trata-se de um setor muito controlado pelos governos. As telecomunicações, o rádio e a televisão costumavam ser explorados e, agora, regulados pelos governos.

TLB – Quantos alunos o senhor mantém em seus cursos?
EN – Cerca de 80 a 90 alunos de mestrado.

TLB – Eles se formam com que título?
EN – Com o título de Administração de Negócios, com ênfase em Gerenciamento de Mídia.

TLB – O senhor tem alunos estrangeiros?
EN – O tempo todo.

TLB – Brasileiros?
EN– Sim. Foi um estudante brasileiro que me ajudou a preparar minha visita, me ajudando a entender o ambiente.

Confidenciando que gostaria de ser engenheiro…

TLB – O que levou o Sr. a estudar economia?
EN – Como primeira escolha, eu continuaria no ramo da economia, porém, como segunda opção, eu escolheria o campo da engenharia eletrônica ou engenharia da computação. Isso é o que eu queria estudar quando comecei a faculdade, em Harvard.

Neste ponto, expliquei que, por coincidência, além de formado em jornalismo, também era diplomado em engenharia elétrica e que tinha trabalhado com as primeiras experiências de comunicações por satélites no mundo.

TLB – O senhor acabou estudando economia?
EN – Foi em Harvard, no final dos anos 60, quando o clima era muito político. As pessoas não queriam estudar engenharia e sim coisas tais como sociologia. Eu ingressei na ciência social que tinha mais matemática, isto é, economia.

TLB – Lamenta não ter optado pela engenharia eletrônica?
EN – De certa maneira, sim. Como menino, eu construía rádios e era radioamador. A tecnologia sempre esteve no centro de meus interesses. Eu gostaria que isso tivesse acontecido de uma maneira mais formal.

TLB – Algo mais que gostaria de acrescentar?
EN – Apreciei estar aqui, no Painel TELEBRASIL. As pessoas são hospitaleiras e interessantes. Os temas que foram tratados são de enorme importância. Achei as pessoas abertas umas com as outras e com seus visitantes.

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