51° Painel TELEBRASIL: Brasil Digital surge como realidade irreversível – XVII
Neste módulo, o pronunciamento de Nagy Hanna, da Universidade de Maryland (EUA), coordenador-adjunto do Projeto e-Brasil, trazendo a Visão do Exterior, como parte do bloco “Um Novo Paradigma para a Prestação de Serviços pelo Estado Digital: Universalização, Qualidade e Transparência”. O 51o Painel, ocorrido na Costa do Sauípe (BA), de 31/05/2007 a 02/06/2007, teve como tema o “Brasil Digital”.
Nagy Hanna (Maryland University)
Sociedade Digital: e-Brasil não pode perder tempo.
O engenheiro e economista Nagy Hanna, originário da Índia, com doutorado pela Harvard Business School, é consultor em estratégia para o e-desenvolvimento, pesquisador agregado sênior do Centro Internacional para e-liderança da Universidade de Maryland (EUA), ex-consultor sênior de e-estratégia do Banco Mundial e coordenador-adjunto do Projeto e-Brasil. A economia do conhecimento não é apenas uma questão tecnológica, mas sim de vontade política do Governo e da sociedade civil. Sua palestra no segundo dia do 51o Painel trouxe a experiência de vários países sobre o desenvolvimento do Estado Digital e da sociedade do conhecimento, inclusive do Brasil. Falou em inglês, com serviço de tradução simultânea para o português.
O Brasil, bem como outros países, deve suplantar desafios para implantar o Estado Digital, o que inclui não só a liderança do Governo, mas a vontade de toda a sociedade civil. Nagy Hanna se confessou impressionado com o entusiasmo das discussões mantidas no primeiro dia do 51o Painel TELEBRASIL, que rotulou de um fórum excelente sobre o Estado Digital. Julgou que o próximo passo será canalizar toda essa energia para construir instituições que possam liderar o processo a longo prazo, visto que um Estado Digital não ocorre da noite para o dia. Revelando sensibilidade psicossocial, alertou o palestrante que a colaboração com o devido gerenciamento de egos das lideranças – um fenômeno universal – será necessária no decorrer do processo.
A colaboração entre diversos atores ou liderança colaborativa acaba desembocando na Economia do Conhecimento ou Estado Digital. A experiência internacional tem demonstrado, todavia, que o Governo não é o único agente que pode ter um Planejamento Estratégico, que pode ser feito também através da iniciativa privada. O marco regulatório precisa estar, porém, atualizado frente às mudanças tecnológicas que ocorrem de maneira veloz. O Governo é, ele mesmo, um usuário da tecnologia digital e precisa arrumar a sua própria casa com plataformas horizontais, a partir das quais todos os setores possam se desenvolver.
O ambiente para o e-desenvolvimento não é apenas de uma questão de tecnologia e sim de um quadro maior cujo centro é o de uma liderança, aí subentendendo visão, políticas e instituições necessárias. A adoção da TIC (Tecnologia da Comunicação e da Informação) pela sociedade e pelos seus segmentos não é, porém, algo automático. Daí ser necessária essa liderança.
Explicou o consultor que a infra-estrutura da informação é parte importante do contexto, bem como a indústria eletrônica e de software que lhes dão suporte. As aplicações da tecnologia da informação dão ensejo ao e-governo, ao e-negócios e a e-sociedade. Por sua vez, o e-desenvolvimento se dá com a sinergia e complementaridade entre os diversos agentes: governo, recursos humanos, infra-estrutura para a informação e indústria de TIC (Tecnologia da Comunição e da Informação).
Ficou patente, ao final da palestra de Nagy Hanna, que não há uma receita pronta para a jornada que leva à e-sociedade ou sociedade digital. Para chegar à economia do conhecimento, os países atuam de maneira distinta nas suas políticas e instituições para chegar a um entendimento comum, envolvendo o Governo e o Estado, mas também a sociedade civil, a academia, os negócios e todos os tipos de organização. A seguir, o ex-consultor do Banco Mundial fez um relato sobre diversos países que tiveram sucesso na implantação da Economia da Informação e sobre outros que nem tanto.
Cada país, uma sentença
A Finlândia – um país pequeno, de baixa densidade populacional e isolado geograficamente ao norte, está partindo para a sociedade da informação por consenso. Na origem, a crise de 1991 da União Soviética que afetou a Finlândia,”virando o país de cabeça para baixo”. Os finlandeses reagiram partindo para uma reestruração global e transformando uma crise em oportunidade. A globalização é uma faca de dois gumes que pode ajudar inserindo as economias em novas cadeias de valor mundiais ou penalizar os países.
A Finlândia criou uma visão nacional comum. Para tal, líderes do parlamento, da sociedade civil e da mídia participaram de seminários de duas semanas que enfocaram a economia do conhecimento. Criou-se, no parlamento finlandês, o Comitê para o Futuro e um Conselho Consultivo para a sociedade da informação. Criou-se um time para o e-Governo, liderado pelo primeiro ministro da Finlândia e compartilhado pelos Ministérios das Finanças, Comunicação, Comércio, Interior e Educação, com a finalidade de criar ações complementares e não apenas iniciativas isoladas. Foi criado um comitê estratégico de tecnologia da informação, liderado por um CIO (chief information officer), sob comando do ministro da Economia, criando-se um consenso comum.
Os Estados Unidos da América – com integração digital a partir da agenda e de orçamento da presidência, baixaram, no Governo Clinton, com o vice-presidente Al Gore, seu IT Management Act, reformulando a governança da Sociedade da Informação. Foi criada uma unidade, com escritório de gerenciamento e planejamento fazendo parte integrante da Agenda Presidencial e que perdura até hoje. Cabe ao Conselho de Gerenciamento da Presidência selecionar projetos estratégicos para criar uma plataforma de e-governo,permitindo a integração cruzada dos diversos órgãos do governo norte-americano.
Também foi criado um Conselho Federal, com os CIOs de todos os ministérios, para o compartilhamento das melhores práticas de informação e comunicação. De maneira análoga, os governos estaduais também têm seus próprios conselhos e estão juntos engajados em transformar suas agências para atuar melhor de forma colaborativa com interesses, arquiteturas de informação e processos de negócios comuns.
No Canadá – renovou seu programa cooptando os usuários. Existe um Comitê de CIO nacionais subordinado ao chairman do gabinete do Governo. A missão do Comitê é gerenciar o orçamento geral para Tecnologia da Informação, supervisionar a arquitetura tecnológica e rever os programas de e-serviços. O Governo não só supervisiona o processo consultando os cidadãos, como também aprofunda seu nível de participação, criando agências independentes. Para o e-business, existe uma mesa-redonda para integrar as diversas colaborações da sociedade civil.
No México – com liderança através de parceria para acabar com a exclusão digital, encontra-se num estágio inicial para vencer o fosso digital e onde o esforço é liderado pelo Ministério das Comunicações. Cabe ao presidente do escritório do Governo para a inovação dar as diretivas para o e-gov que o Ministério da Administração Pública transforma em agenda de trabalho. Uma rede e-gov atua como fórum de consultas para diversos CIOs, estabelecendo e compartilhando conhecimentos.
Na Tailândia – o Governo se preocupa com projetos-piloto. Criou-se um portfolio diversificado no Ministério da Tecnologia da Informação e da Comunicação que, no entanto, vive o problema da falta de recursos humanos necessários. Ministérios setoriais disputam projetos-piloto de alta visibilidade para angariar fundos e atuam de forma isolada, com foco em tecnologia. Os ministérios competem entre si, ao invés de colaborarem de maneira integrada. Pequenos programas isolados de TI (tecnologia da informação) não conseguiram produzir ainda um impacto maior no país.
A Coréia – com Agência de TIC e política pública, é um caso de sucesso que começou nos anos 80 e teve cinco fases (NIS, KII, Cyber, e, u), com a economia do conhecimento dispersa no País para todos. O processo das TICs foi inicialmente centralizado na Presidência da República e gradualmente se estendendo para outras áreas. Uma agência nacional para computação relata periodicamente os sucessos para a Presidência e agora para o Ministério da Comunicação, Informação e Tecnologia e, mais recentemente, para o Ministério da Administração, que lidera o processo de e-gov. A Coréia é o país n° 1 em banda larga no mundo. Talvez tenha superinvestido em banda larga, ao invés de ter investido em conteúdo, mas sua política está mudando.
A Índia – aprendendo a alavancar e ter escala para um bilhão de cidadãos. São dois países e duas histórias. Existe a Índia do milagre da exportação do software e a Índia da pobreza da informação e do alto grau de analfabetismo. A Sociedade da Informação não pode ser construída para apenas um pequeno grupo de pessoas, com o restante da sociedade sendo deixada para trás. Novas estruturas governamentais de e-gov estão sendo criadas, com orçamento estimado de US$ 6 bilhões.
O Banco Mundial está auxiliando com US$ 300 milhões nesse programa que levou 16 meses sendo planejado, num esforço de 70 mil homens/ano. É preciso iniciar o programa definindo as políticas e aí passando para aplicações centrais e depois setoriais. O Ministério de Ciência e Tecnologia, em colaboração com o Centro de Informática Nacional e com os centros para smart goverment que incluem 360 departamentos estatais, trabalham todos de maneira integrada.
O Sri lanka – estado bastante pobre, partiu para um modelo de Tecnologia da Informação e da Comunicação, envolvendo uma parceria pública e privada reportando-se diretamente ao presidente do País.
O Japão – um país economicamente desenvolvido, muda práticas antigas em que a maior parte de seu sistema de informação ocorre apenas no âmbito doméstico. Em sua nova fase, a rede de inovação precisará se conectar, em regime de cooperação, com academias, empresas, agências governamentais do restante do mundo. Mesmo com grande capacidade instaladas de fibras ópticas, os países mais desenvolvidos precisam enfrentar o problema do conteúdo. O Japão, por exemplo, investiu tanto quanto os EUA em tecnologia da informação e da comunicação, mas não obteve o mesmo nível de produtividade e impacto.
O ranking mundial e o e-Brasil
Uma pesquisa do EIU (Economist Intelligence Unit) mostra que dentre os países que estão no topo para atingir a economia do conhecimento em rede, citam-se Dinamarca, EUA, Suécia, Hong-Kong, Cingapura, Suíça, Reino Unido, Países Baixos, Austrália e Finlândia. Tais países se distinguem pela regulação efetiva de suas telecomunicações, pela ênfase na educação e na inovação, pelo dinamismo no setor de TI (tecnologia da informação), pelo empenho e compromisso, tanto no setor governamental quanto privado, com o Estado Digital que integra a agenda nacional. Segundo essa pesquisa, a dados de 2007, o Brasil está classificado em 43o lugar pelo IEU.
O palestrante, com a franqueza do consultor, disse que no caso do Brasil, o País perde tempo não capturando a dinâmica e o empenho em avançar na economia do conhecimento que se verifica em outros países. O fenômeno é de âmbito latino-americano e o desafio reside em saber se a idéia de uma Nação Digital deve ter um caráter apenas cosmético – com o e-governo em poucas áreas – ou se deve representar, em realidade, uma transformação mais geral e profunda para toda a sociedade.
Disse ainda Nagy Hanna que, como lição a ser aprendida, a tecnologia da informação e da comunicação precisa ser parte integrante de uma visão mais geral de desenvolvimento e de competitividade do País. As instituições devem ser integradas numa agenda para o desenvolvimento digital, obtendo-se a participação da sociedade civil e do setor privado. Deve haver um equilíbrio entre a iniciativa de cima para baixo, com as iniciativas partindo dos governos locais. O palestrante chamou atenção para a necessidade de “haver um grupo de líderes públicos e privados capazes de levar, numa visão de longo prazo não sujeita às influências da política, a tecnologia da informação a quem dela precisar”.
Particularizando para o caso do e-Brasil, disse o consultor ser necessário haver as lideranças, a inclusão através da conectividade e de pontos de acesso, e a visão do Governo para uma Sociedade da Informação. A visão do Governo deve ser voltada para prestar serviços para o cidadão, em parceria com a sociedade civil. É preciso aplicar a tecnologia da informação para transformar diversos setores-chave, como e-educação, e-saúde, e-justiça, e-segurança pública, e-negócios, tal como já foi feito no setor financeiro. Isto vai requerer mudança de práticas e processos em curso e não apenas investir em tecnologia da informação.
Enquanto falava, um slide, em inglês, mostrava o conhecimento do palestrante sobre a situação do e-Brasil: a universalização dos serviços de Internet em banda larga é destinada a um Brasil mais competitivo e equitatível; a criação de municípios digitais será tema popular nas eleições de municipais de 2008 e nas estaduais e federal de 2010; as operadoras de telecom precisam formar uma coalizão para obter recursos do Fust, para programas de inclusão digital e para as mudanças legislativas e regulatórias necessárias; o objetivo é levar a banda larga a todos os municípios utilizando o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, redução de tributos, recursos federais, estatais, municipais e licitação competitiva para implementação de banda larga.
Ainda estava mostrado no slide: uma faixa passante, da ordem de 256 kbit/s deveria ser um serviço municipal disponível tal como é a iluminação pública; faixas passantes maiores a ser um serviço comercial para quem puder pagar; a Voz sobre IP (VoIP) vai chegar e as empresas de telecom devem ver esse serviço gratuito como uma ferramenta de marketing para vender novos serviços de valor agregado com banda larga; o movimento deve ser na direção de tarifar gigabits e serviços de valor agregado – inclusive serviços móveis de voz – ao invés de tarifar minutos de uso; o e-Brasil é uma plataforma para a indústria de serviços de valor adicionado das telecom, para a inclusão social e para uma economia competitiva.
Ao final de sua palestra, o consultor Nagy Hanna resumiu que o movimento, hoje, se dá para além da comunicação de voz, com o estabelecimento de novos paradigmas trabalhando em cima de serviços de valor agregado. Isto, porém, só irá acontecer se a ideia do e-Brasil se tornar uma realidade e uma plataforma para o futuro do País. Muitos países estão avançando rapidamente na direção da economia do conhecimento. O Brasil deve liderar e não apenas reagir, se quiser criar o seu futuro. Não é, agora, o momento de se perder tempo.