51° Painel TELEBRASIL: Brasil Digital surge como realidade irreversível – III

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O 51º Painel, ocorrido na Costa do Sauípe (BA), de 31/05/2007 a 02/06/2007, reuniu cerca de 400 participantes, dentre autoridades, políticos, reguladores, decisores, executivos, especialistas, formadores e multiplicadores de opinião que discutiram o tema Brasil Digital. Neste módulo, o registro dos discursos da Presidência como Visão do Estado, proferidos durante o evento, dando seqüência à série de matérias enfocando o 51º Painel TELEBRASIL.

O 51º Painel se caracterizou pela presença de parlamentares, membros do Poder Executivo e reguladores, além do governador da Bahia, Jaques Wagner (PT-BA).

Do Poder Executivo participaram do evento, sob a rubrica “Visão do Estado”, pela Presidência da República: André Barbosa Filho (Casa Civil), Cezar Alvarez (coordena o Programa de Inclusão Digital do Governo) e Oswaldo Oliva Neto (Núcleo de Assuntos Estratégicos), objeto deste módulo. São objetos de outro módulo (IV) desta série, pelo Ministério das Comunicações, Roberto Pinto Martins (secretário de Telecomunicações); e pela Anatel, José Leite Pereira Filho (conselheiro).

Visão do Estado – André Barbosa Filho
Radiodifusão e TCs: convivência antes da convergência.

André Barbosa Filho fez jus à sua formação de advogado, de ex-radialista e de doutorando pela Escola de Comunicação e Artes da USP, ao fixar “ex-ante” como premissas anteriores a qualquer discussão sobre radiodifusão e telecomunicações, a liberação das regras do mercado, o respeito ao consumidor e as relações que devem viger entre os homens antes das decisões formais. “Convivência antes da convergência é o desafio”, disse o assessor especial da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef.

Historiou que em seus primórdios de rádio e depois televisão, aprendeu com o telefone a importância da voz e da interação. A radiodifusão, desde dos anos 30, valeu-se do telefone para ter interação e participação da audiência que lhe é fundamental, confirmando o contato tecnológico entre radiodifusão e telecomunicações. Surgiram novas plataformas (satélites e cabos terrestres) que vieram ampliar a conexão. No mundo, as propostas de legislação entre rádio e telefonia, antes divergentes, agora convergem na Europa e nos EUA.

O Brasil, no entanto, tomou a decisão desde 1962 (Governo Jango Goulart) e depois regulamentado em 1967 de manter radiodifusão e telecomunicações como entidades separadas. O âmago dessa decisão era manter o controle da sociedade sobre a comunicação de massa, o que, na época, se tomava como sendo segurança e relações de Estado. Hoje, num momento de democracia, há a possibilidade de que sejam revistos tais relacionamentos.

– A radiodifusão, hoje no Brasil, com 95% de penetração por ser aberta, gratuita e direta, é uma grande possibilidade para entrega de conteúdo para a população, inclusive de baixa renda – postulou André Barbosa Filho. A radiodifusão é um formato estruturado em rede e permite aquilo que a Internet não permite. Isto é, a comunicação “de um para todos” numa idealização que começou no século XIX e caminhou no século XX. Sempre haverá a necessidade da comunicação de um para todos.

Quanto à TV digital, o palestrante, além de fazer um retrospecto desse meio de comunicação de massa, explicou as principais decisões que foram tomadas. Em 1996, nascem os estudos conduzidos pela Anatel, pela SET (Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão) e pela Universidade Mackenzie. Testes para os três sistemas de TV digital terrestre (norte-americano ATSC, europeu DVB-T e japonês ISDB-T) são feitos e a metodologia desenvolvida vira paradigma na UIT. Em 2003, o Governo muda o eixo do processo, incluindo universidades e planos para a retomada da indústria brasileira, em parceria com o capital estrangeiro.

Participaram do esforço sobre TV digital 1.500 pesquisadores brasileiros da academia, resultando na adoção da compressão de vídeo MPEG-4 (H.264), projetos para set top box baratos e para multicasting e com possibilidades de mais programações na própria banda. A integração sistêmica do esforço da academia para a TV digital foi efetuada pelo CPqD. As negociações internacionais mostraram claramente a necessidade da harmonização do sistema de middleware.

Defendeu o palestrante ser “uma balela dizer que os sistemas são tecnologicamente diferentes. A escolha entres eles é política. É uma questão de escolha entre valorizar um sistema em rede existente no Brasil para a transmissão direta e gratuita do sinal de TV, uma opção para a qual agora sou favorável ou outro sistema?”

André Barbosa Filho afirmou que o sistema em rede existente no Brasil para a transmissão direta e gratuita do sinal de TV deve ser mantido. É ele que detém o know how de como produzir o conteúdo e estabelece o diferencial entre plataformas tecnológicas. É a propriedade intelectual que faz toda a diferença. É ela que pode abrir ou fechar comportas para distintas ofertas de tecnologia. Foi justamente este o diferencial do sistema japonês com a modulação BST-OFDM (band segmented-orthogonal frequency division multiple) que compartilha e divide o sinal em 13 segmentos pequenos, um deles com pouco bit rating para enviar a produção para dispositivos portáteis e móveis.

Continuando, disse o palestrante que dispositivos portáteis e móveis são o futuro e já são realidade no Japão, onde há um número muito grande de celulares com chips e antenas para recepção direta da televisão e do rádio. Mobilidade e portabilidade são fundamentais para a TV aberta. Serão elas que irão determinar certas regras de política de produção de conteúdo. O SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital) é de alta definição. No mundo, já não se produz programas em Standard Definition e nas feiras internacionais de televisão o material só é para alta definição. A migração de qualquer sistema deverá obedecer a essa regra. No Brasil, foi escolhido o sistema up converter que permite trabalhar HDTV (High Definition TV) e também em SDTV (Standard Definition TV).

A transição da TV analógica para a digital está programada para dez anos, até 2016. O multicast vai permitir pela regra colocar mais de um canal na banda, se houver recursos, sharing publicitário e modelo de negócios. A possibilidade de mais de um canal na banda existe e principalmente na TV pública. Justificando a criação de quatro canais públicos, enfatizou André Barbosa Filho que as emissoras comerciais não vão iniciar pelo multicasting e não têm interesse pela interatividade como um primeiro produto.

Com a TV pública, vai haver mais de um encoder (codificador) na formatação dos transmissores. Um deles para programação nacional e outro para trabalhar os canais de educação, cultura e cidadania para formular uma nova proposta de televisão com a questão da interatividade. Será adotado o sistema de áudio AAC (advanced audio coding), diferente do Dolby (proprietário) e considerado um dos melhores do mundo.

Com riqueza de detalhes e apesar da exigüidade de tempo, o palestrante mostrou que também será utilizado o middleware brasileiro – Ginga-J produzido na UFPB e Ginga-ncl produzido na PUC-Rio – que soma linguagem Java, documentos hipermídias escritos em linguagem NCL (nested context language), linguagem procedurais e declarativas com interatividade e suporte a múltiplos dispositivos. O Ginga permite interoperabilidade com diversos sistemas e linguagens como IP (Internet Protocol) e videoconferência IP. No futuro, isto possibilitará não só a TV de “um para todos”, mas também a televisão pela Internet (IPTV).

Encerrando sua apresentação, o palestrante referiu-se à política de financiamento do BNDES, já aberta a radiodifusores, a MP (Medida Provisória) 532, de incentivos fiscais para transmissores e componentes para a TV pública, a gestão social da TV pública e a interatividade e a escabilidade do set to box para poder introduzir o middleware como upgrade sem necessidade de comprar outro dispositivo.

Visão do Estado – Cezar Alvarez
Banda larga em 142 mil escolas até o término do Governo Lula.

Ao chamar o palestrante, a jornalista Heloísa Magalhães (Jornal Valor), que coordenou a sessão, alfinetou que o Governo do PT, focado no social, em seu segundo mandato está atrasado em relação à inclusão digital.

O assessor especial da Presidência da República, Cezar Alvarez, coordenador geral de Programas de Inclusão Digital do Governo – há apenas 30 dias na função antes atribuída ao ministro das Comunicações, Hélio Costa –, mencionou a existência de um PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) para as telecomunicações. Disse que o presidente da República está ciente da importância do Projeto de Inclusão Digital como um projeto de nação. Num mundo globalizado, a competitividade depende cada vez mais da qualidade da mão de obra, traduzida por educação e conhecimento, um campo para o qual as novas tecnologias digitais podem muito contribuir.

A tarefa de Cezar Alvarez será muito mais que o mandato de coordenar 16 projetos distintos existentes no Governo. Sua missão será construir com a complementaridade da iniciativa privada e dos governos (Federal, estaduais e municipais) um Brasil Digital moderno e competitivo. Segundo o palestrante, o Projeto da Inclusão Digital deve ser lido nas entrelinhas do discurso do presidente Lula, quando este se refere ao resgate da juventude e à renovação do processo pedagógico. “O presidente defende a banda larga não só para dinamizar o Estado, mas também para dar maior competitividade e modernização às PMEs brasileiras”, sublinhou Cezar Alvarez.

O assessor da Presidência relembrou a experiência do computador para todos – uma máquina de baixo preço para a família de baixa renda – em que esteve envolvido e disse que, na ocasião, não foi possível vencer o desafio da conexão. Agora há o plano alternativo de acesso discado de R$ 7,50 por 600 minutos mensais; a isenção de PIS/Cofins para desktops até R$ 2,5 mil; e o programa para o computador portátil, com financiamento do BNDES. Foram comercializados mais de 8 mil desktops em 2006 (vendas crescem a 14%), com 85% na faixa até R$ 2,5 mil e tendendo para o lowend.

Para este ano, é possível que a venda de computadores supere a de televisores. O Governo federal vai proceder a uma licitação internacional para aquisição de 150 mil laptops de baixo custo para alunos. Como soluções candidatas, há o XO-1, do programa OLPC (One lap Top per Child) ou UCA (um computador por aluno), conduzido pelo marketing do cientista Negroponte (MIT); o Classmate PC, da Intel; e o Mobilis, da Encore indiana.

Quanto à conectividade, o objetivo é levar, até o final do Governo Lula, a conexão de banda larga a 142 mil escolas do ensino básico, para beneficiar mais de 50 milhões de alunos. “É algo que o mercado não está fazendo, aos preços que aí estão. É preciso discutir a real parceria estratégica entre os empresários e o Governo nos negócios, na área regulatória, na complementariedade e até, quem sabe?, num grande backbone compartilhado entre Estado e iniciativa privada”.

Visão do Estado – Oswaldo Oliva Neto (Núcleo de Assuntos Estratégicos)
Uma PPP com dinheiro do Governo para levar backbone a todo rincão do País.

Oswaldo Oliva Neto, do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (www.nae.gov.br) – criado pela Lei 11.204/05 –, justificou sua presença num evento especializado de comunicações pela lógica de longo prazo julgada adequada para a sociedade brasileira.

Didaticamente, com auxílio de slides, o palestrante destacou o termo “Estado” como sendo a junção de duas entidades, o Governo e a sociedade, explicando que cabe ao NAE a dupla missão de efetuar as bases do Planejamento Estratégico do País a longo prazo (que será levado a debate público) e ainda tratar de assuntos conjunturais que “tenham forte impacto na sociedade brasileira”. Dentre suas realizações, o NAE efetuou o denominado “Brasil 3 Tempos”, conectado às telecomunicações.

Outra realização do NAE foi alertar a Presidência, em dezembro de 2004, da janela de oportunidades ímpar de biocombustíveis para o País. O Brasil tem potencial para produzir 5% da gasolina do mundo, o que corresponde a cerca de US$ 200 bilhões/ano. O NAE ainda chamou a atenção do Governo, em 2005, para o tema das mudanças climáticas do planeta, reunindo aproximadamente 40 especialistas estudando as oportunidades para o Brasil. O tema da nanotecnologia também foi abordado pelo NAE. O Núcleo também se engaja em temas multidisciplinares e transculturais, como os da Amazônia, demografia, segurança pública e geopolítica.

Juntamente com a UnB – Universidade de Brasília –, o NAE desenvolve uma metodologia, elogiada pela União Européia, para dar pesos aos diversos temas tratados e como se posicionam – aliados ou opositores – frente aos atores envolvidos. Foi desenvolvido um software correspondente que será de domínio público e disponibilizado para uso. Outra ferramenta utilizada é o da “percepção de futuro”.

O Projeto “Brasil 3 Tempos” quer subsidiar o debate do que vai ser oferecido à sociedade. São casos para o debate do Estado (Governo e sociedade) criando condições para que o Brasil, em 2022 – daqui a 15 anos, no bicentenário da Independência –, possa ser considerado um país desenvolvido, explicou Oswaldo Oliva Neto.

Historiando, disse o palestrante que empresas de consultoria internacionais convidadas para efetuar um projeto de planejamento estratégico de longo prazo para o Brasil declinaram do convite por julgarem não possuir metodologia ou dados suficientes para tanto. O NAE se valeu do esforço de 600 especialistas na fronteira do conhecimento, de nove universidades brasileiras, para definirem que temas deveriam ser priorizadas. O trabalho obtido foi teórico.

Para tornar mais denso o resultado, foram feitas pesquisas de percepção sobre o futuro com 50 mil pessoas. O esforço rendeu 6 milhões de percepções que serviram para dar prioridade a 50 temas estratégicos, juntando, assim, a fronteira do conhecimento com a percepção da sociedade. Verificou-se que, para o cenário natural, a percepção dos brasileiros é que só na segunda metade do século XXI o Brasil seria um país desenvolvido.

Prosseguindo, Oswaldo Oliva Neto disse que foi pesquisado um cenário, denominado de “ruptura”, para acelerar o desenvolvimento do País para chegar em 2022 como um país desenvolvido. Os especialistas identificaram três eixos. O político, com a criação de uma instituição – um conselho de Estado –, para tratar de assuntos do Brasil de longo prazo e que requer mudança na Constituição.

O eixo macroeconômico conta com uma cesta de 14 indicadores monetários e fiscais que olham para um Brasil em 2022 como um país desenvolvido. A metodologia é fazer a curva reversa de 2002 até agora para saber o caminho a seguir, com base num crescimento médio estimado de 6% ao ano. Distinguiu o conferencista que há, porém, dois Brasis macroeconômicos: o liberal e o desenvolvimentista que não se falam. Já no eixo social, porém, as correntes são as do Governo e a dos empresários.

A referência com que trabalha o NAE para telecomunicações é criar as bases da sociedade do conhecimento, tendo como ferramenta tecnológica a inclusão digital. Na observação de Oswaldo Oliva Neto, o Brasil tem como diferencial, frente a outros países, a criatividade e a flexibilidade para criar essa sociedade. A curva “S” do desenvolvimento (pouco inclinada no início e no fim) mostra que operadoras como a British Telecom estão no final de seu modelo. É preciso um novo paradigma para a inclusão da sociedade.

O palestrante tocou no cerne da questão ao dizer que a Sociedade do Conhecimento passa pela educação e pela inclusão digital. A maioria dos alunos está concentrada nos grandes centros urbanos. Para eles, a inclusão digital nas escolas públicas é relativamente fácil, pois existe a infra-estrutura necessária. A maioria das escolas, porém, está em áreas onde não existem infra-estrutura e onde o mercado não irá, já que não há retorno adequado. A ampliação da migração campo-cidade não é aconselhável. Será preciso que o Governo “coloque a mão no bolso” para resolver este tipo de problema.

A solução pode ser por divisão territorial. Onde houver interesse do mercado, a inciativa privada resolve; e onde prevalece o aspecto social, o Governo “põe a mão no bolso”. Há também a divisão funcional, solução que parece estar sendo adotada pela British Telecom. Separa-se o acesso da última milha da rede de backbone. Transportar “bits e bytes” pode não ser um grande negócio e um modelo que pode estar acabando.

A prestação de serviço é onde fica o mercado. O backbone pode ser reestruturado e poderá levar um backbone a todos os rincões do País, como uma PPP (Parceira Público-Privada) por uma empresa de propósito específico. Será preciso dinheiro do Governo, se considerados mais de 5 mil municípios e se levado em conta o nível de renda da população.

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