51° Painel TELEBRASIL: Brasil Digital surge como realidade irreversível – Debate II

Neste módulo, o registro do animado debate ocorrido entre os palestrantes com a participação da platéia, durante o 51º Painel TELEBRASIL, encerrando as atividades do 1o dia. Coordenou o debate a jornalista Heloisa Magalhães. O 51º Painel, ocorrido na Costa do Sauípe (BA), de 31/05/2007 a 02/06/2007, reuniu cerca de 400 participantes, dentre autoridades, políticos, reguladores, decisores, executivos, especialistas, formadores e multiplicadores de opinião que discutiram o tema “Brasil Digital”.

Debate II – encerrando as atividades do 1º dia

Temas: Liberar o Fust não é só vontade política – Telebrás e Eletronet – distribuição de laptops a alunos – participação Governo-iniciativa privada – escassez de recursos para a Inclusão Digital – um computador por aluno – recursos futuros do Fust.

Uma tradição dos Painéis TELEBRASIL é o debate democrático e sempre enriquecedor. O 51o Painel manteve o formato. Depois da Visão dos Fornecedores, do Estado e da Sociedade, com todos os palestrantes presentes na grande mesa da conferência (contamos 13 pessoas) e obedecendo à programação do 51o Painel, reservou-se tempo para um debate, encerrando as atividades do 1o dia.

Instigado por pergunta da jornalista Heloisa Magalhães, coordenadora da mesa, sobre se a liberação dos recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) dependia apenas de vontade política, assim se expressou Cezar Alvarez (assessor especial do Presidência da República e coordenador geral dos Programas de Inclusão Digital do Governo): “Além de vontade política, é preciso lembrar que o Fust permaneceu três anos sendo interpretado no TCU (Tribunal de Contas da União) numa visão de voz e de serviço fixo”. A reabertura da discussão do Fust é algo mais amplo e deve contemplar o Brasil Digital.

A primeira intervenção da platéia veio do primeiro inscrito, Ethevaldo Siqueira (jornalista especializado e colunista do Estado de São Paulo). “O País tem tecnologia, nacional e internacional disponível. Há abundância de recursos, com R$ 5 bilhões do Fust e R$ 10 bilhões do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), com os quais não se sabe o que fazer. O maior sócio das telecomunicações é o Estado, que arrecada 40% sobre a atividade e não devolve absolutamente nada”. Acelerando o tom, recomendou o jornalista que “nós não fôssemos hipócritas”, referindo-se à corrupção que foi captada pelo “grampão” – denominação citada por um dos palestrantes como exemplo de tecnologia nacional – e que mostrou que há no Governo ministros corruptos, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Disse mais o jornalista que o Governo pensava em ressuscitar uma Telebrás (antiga holding do sistema estatal das telecomunicações) e uma Eletronet, esta já tendo dado prejuízo da ordem de R$ 200 milhões à indústria, que não recebeu até agora nenhum tostão de indenização. Em contrapartida, emendou o jornalista: “há o caso da Telebrás, vítima de ação de uma minúscula empresa de 0900, que ganhou na Justiça uma indenização de R$ 1 bilhão, negociados uma metade com a Embratel e a outra com a Telebrás. Esta condenada a pagar, até por perda de recursos, R$ 254 milhões”.

Perante uma platéia subitamente silenciosa, reafirmou o jornalista o que já havia escrito, em 03/06/2007, em sua coluna do Estado de São Paulo, que o presidente da citada minúscula empresa era amigo do ministro das Comunicações. Acrescentou que o STF (Supremo Tribunal Federal) acabara de determinar, na véspera, um inquérito policial, para apurar responsabilidades se houve ou não atitudes de conivência no caso. “Estatal, no Brasil, tem servido para isto. Nem depois de privatizada, há alguns anos, a Telebrás deixa de fazer alguém milionário”, constatou o debatedor, sugerindo que seria preciso responsabilizar “a juíza que deu a sentença e os peritos que calcularam R$ 1 bilhão para uma empresa que tinha R$ 1 de capital e trabalhou apenas 16 meses”.

Aquecendo a retórica, disse o jornalista que “não podemos ser hipócritas, nem populistas, nem demagogos, nem coniventes com a corrupção, nem encontrar dificuldades na falta de recursos”. Advertiu que “somos um país que possui emissoras piratas, que colocam em risco a vida de milhares de passageiros que lotam os aeroportos. E esta não é uma questão de polícia ou do Ministério das Comunicações. A Anatel, que gera recursos através do Fistel e de leilões, tem seus orçamentos contingenciados e cortados de maneira absolutamente irresponsável”.

Dirigindo-se à coordenadora do debate, Ethevaldo Siqueira explicou que coordenaria o debate do dia seguinte e que, por isto, aproveitara o pequeno espaço que lhe fora concedido. Segundo o debatedor, ele havia dado a matéria-prima da situação, que deveria ser enfrentada pelos participantes do 51º Painel.

Com a intervenção do jornalista, ficou estabelecido o clima político do Debate, com todas as nuances que normalmente traz. Rápido no gatilho, Cezar Alvarez, do microfone da mesa, expressou firmemente que “concordava com 90% do que havia sido dito, mas que registrava seu protesto quanto às injustas insinuações em relação ao ministro das Comunicações, Hélio Costa. “Não estou condenando o ministro”. Foi o Supremo Tribunal Federal que tomou uma decisão”, redargüiu o jornalista. O senador Welligton Salgado (PMDB-MG), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática – CCT do Senado Federal, também à mesa, somou para dizer que “condenava o que havia sido dito sobre o ministro”, argumentando quê:

– Ninguém é culpado por ter um amigo que ganha uma decisão na Justiça. Este é um processo que se iniciou há dez anos. Vossa senhoria colocou aqui muito mal o nome do ministro – disse o senador. Com todo o calor e disciplina de um fórum democrático, iniciou-se uma troca de argumentos entre o jornalista e o senador.

“Trata-se de um fato”, argumentou o colunista do Estado de São Paulo. “Um fato, porém, dirigido. O único despacho que o ministro deu foi o encaminhe para decisão”, relatou o parlamentar, ao que respondeu o jornalista: “Não estou condenando o ministro, ele vai ser investigado, só isso”. O senador continuou afirmando que “não concordava com a colocação dada ao nome do ministro”. O jornalista Ethevaldo Siqueira replicou que “o senhor não concorda porque é suplente do ministro”, ao que confirmou o senador Wellington Salgado: “eu não concordo porque sou suplente, conheço a história e sou amigo dele”.

A discussão ameaçou permanecer circular, num duelo semântico. Ethevaldo Siqueira: “Não estou condenando, quem vai julgar é a Justiça. O nome do ministro está citado pelo Tribunal Federal”. Wellington Salgado: “citado não. Foi aberto um inquérito”. Ethevaldo Siqueira: “ele foi indiciado”. Wellington Salgado: “inquirido”. Ethevaldo Siqueira: “ele vai ser investigado”. Wellington Salgado: “assim está melhor”. A discussão amainou, em meio a palmas apaziguadoras da platéia, dando oportunidade à coordenadora, Heloisa Magalhães, para chamar o próximo inscrito ao Debate. A platéia teve uma demonstração “ao vivo” que fóruns democráticos, tais como os Painéis TELEBRASIL, resistem bem e saem fortalecidos dos embates.

O empresário e cientista José Ripper (Asga) dirigiu sua intervenção a Cezar Alvarez e ao deputado Jorge Bittar (PT-RJ). O empresário, da região de Campinas (SP), acompanha a utilização de meios eletrônicos na área educacional, há mais de 30 anos, inclusive porque sua esposa (D. Afira Vianna Ripper) trabalha nessa área de pesquisa. José Ripper foi membro de Conselho Científico, em Paris (França), criado por François Mitterrand (ex-presidente da França) e dirigido por Negroponte (Nicholas Negroponte, MIT Labs). Explicou que conhecia vários exemplos bem-sucedidos do uso de computadores na escola, mas que desconhecia completamente experiências que deram certo com computadores que tivessem sido doados aos alunos.

“Só existe benefício para a educação quando existe uma incorporação dos computados ao meio didático, algo que não dá para massificar a curto prazo. Um número significativo de escolas que adotaram a política de distribuir laptops para todos os alunos com financiamento dos governos e de fundações privadas abandonaram o programa por ele ter se demonstrado totalmente inútil em termos educacionais. Acho extremamente difícil que esse procedimento seja massificado. A pergunta é se existe algum lugar no mundo que a distribuição de computadores deu certo”, finalizou José Ripper.

Segundo Cezar Alvarez, nunca houve no mundo a experiência da distribuição massiva aos alunos de computadores. Na própria região de Boston (Massachusset), onde fica o MIT (Massachusset Institute of Technology) e onde o problema não é nível de renda para a aquisição de computadores, a experiência não está acontecendo. Cezar Alvarez, esteve no Maine (USA), nas escolas onde a experiência foi feita, mas em âmbito limitado. Ele disse compartilhar das preocupações envolvidas num projeto que está na fronteira tecnológica e pedagógica. Usar um computador com mobilidade não é utilizar um livro digitalizado, na mesma relação pedagógica. Conteúdos, grades curriculares, processos e inovação vão mudar.

“A gurizada, em Porto Alegre (RS), onde a experiência foi feita, discute entre si, com uso de computador, cinco a seis conteúdos diários, além dos dois ou três fixados pelos professores. Com o uso do computador com mobilidade, a relação com o conhecimento passa a ser de outra natureza. Com 40 ou 50 estudantes, já somos capazes de tirar grandes conclusões? Não. Mas, com 162.247 computadores, numa rede de 52 milhões de alunos do ensino fundamental e básico, é um grande projeto-piloto. É essa a experiência que estamos chamados a fazer. Conversando com alunos e professores, na experiência em Porto Alegre (RS), já conseguimos alguns indicadores. A experiência na cidade de Tiradentes (MG) será outra fonte de dados. Vamos acompanhar o que vai acontecer em “x” escolas brasileiras, com a distribuição de 162.247 computadores. O Brasil desigual vai ter que conviver com escolas com 100% de computadores e com outras que não têm merenda escolar. Não podemos cair no discurso de que primeiro resolver a merenda escolar e depois fazer tecnologia”, concluiu Cezar Alvarez.

A próxima intervenção veio do empresário Carlos Rocha, da empresa Samurai, que ressaltou a importância da presença dos homens do Governo ao seminário. Disse que o setor não podia estar vivendo uma oportunidade melhor. Dentre elogios que fez sobre as qualidades do palestrante Cezar Alvarez, destacou em tom light o fato dele “não ser engenheiro”. Com isso, o discurso não será de siglas e padrões e sim de demandas e projetos.

Fazendo referência ao projeto do computador popular de baixo custo, conduzido com obstinação por Cezar Alvarez, disse Carlos Rocha ter ele dado certo por ter sido o projeto definido com clareza, ter sido efetuado em parceria com o setor privado e ter gerado um instrumento de redução de tributos. O modelo foi o da redução de tributos, que movimentou o setor privado a produzir ofertas. O debatedor fez um apelo para que o relacionamento com o setor de telecomunicações siga o mesmo caminho. Outro momento democrático surgiu com a intervenção da coordenadora, pedindo: “qual a pergunta?”. “Entendi que estamos num Painel de Debates. E eu estou debatendo com o plenário e fazendo apenas um elogio à nomeação de Alvarez”, disse Carlos Rocha, despertando incontidos risos da platéia e a réplica da coordenadora ao dizer que estava ocorrendo, de fato, uma apresentação e se era possível concluí-la.

Carlos Rocha dirigiu, enfim, uma pergunta ao deputado Jorge Bittar (PT-RJ), não sem antes recordar que o parlamentar, durante sua campanha para reeleição, trouxe à baila vários exemplos de inclusão digital. “Como fazer um avanço no campo da inclusão digital sem depender dos escassos recursos de Governo?”

Com senso de espírito, Jorge Bittar disse que por ser engenheiro sua resposta seria prejudicada, a não ser que se tratasse de engenharia política. “Quando houve a discussão da inclusão digital, ouvimos muitos interlocutores na área tecnológica e educacional”. Na ocasião, foi possível identificar, como principal dificuldade, a escassez de recursos, mas o cenário hoje é outro. A economia do País está significativamente melhor, com inflação estável e câmbio adequado. As tecnologias e os preços para implementar os acessos também evoluíram.

Foi desenvolvido uma cesta de recursos – obrigações para concessionárias, licenças para freqüências, recursos do Fust, Programa GESAC, recursos orçamentários – com a qual será possível promover um programa nacional de inclusão digital. Estamos falando em bilhões de reais a serem agregados ao programa da inclusão digital. Será preciso contar com a participação democrática de toda sociedade, com o desenvolvimento de aplicativos adequados, com a participação do Estado e dos municípios. Enfim, com a capacitação de toda a população. Sobre o programa de um computador por aluno, achou Jorge Bittar tratar-se de uma excelente oportunidade e que nos EUA os alunos das escolas têm fácil acesso ao computador em casa. Dirigindo o comentário para José Ripper, disse que “vale a pena correr o risco”.

A próxima pergunta veio da jornalista Elvira Lobato, da Folha de São Paulo, comentando que fora dito em plenário que se pensava em usar, para a inclusão digital, apenas os recursos futuros do Fust. Em conseqüência, “qual seria o status dos recursos já arrecadados da ordem de R$ 5 bilhões? A posição oficial do Governo seria ficar, definitivamente, com tais recursos no Tesouro?”.

“Não há posição oficial do Governo sobre esse assunto, apenas a minha opinião individual”, enfatizou Cezar Alvarez, que, a seguir, comentou que “a comunicação de voz já está superada no País e que não chega a ser mais uma necessidade do Governo. Então, os recursos arrecadados daqui para frente, eventualmente, terão que ter outra destinação. Isto exigirá nova legislação”.

O deputado Jorge Bittar acrescentou que ele é da base parlamentar do Governo, mas que não fala em nome do mesmo. Lembrou que participa da Comissão de Orçamento e mantém atitude realista frente aos recursos disponíveis e quanto à possibilidade de utilizá-los. Recursos orçamentários do Governo são necessários não apenas para a inclusão digital, mas também para a saúde pública, para o sistema educacional – o Governo tem um projeto ambicioso da qualidade da educação com a criação do Fundeb – para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), habitação, saneamento, transportes, energia. “É preciso manter o equilíbrio das contas públicas. O dinheiro não está disponível numa prateleira, porque nele está carimbado Fust! Tem dinheiro carimbado para o desenvolvimento científico e tecnológico. Tudo isto são recursos públicos. O que é preciso é que se discuta, politicamente, os grandes desafios e a alocação de recursos. Vamos brigar para liberar de imediato os recursos que estão anualmente disponíveis e gradualmente disponibilizando os recursos do passado sem matar a galinha dos ovos de ouro, que é o bom desempenho da economia e que não pode ser perturbada pelo desequilíbrio fiscal.

Em relação à Eletronet, o senador Wellington Salgado admitiu que o sistema precisaria recuperar um atraso tecnológico, mas que o Governo precisa ter uma conexão segura com uma linha de transmissão segura. O parlamentar disse saber que houve um leilão eletrônico por pregão, que teve um preço muito baixo. Quando se averiguou quem havia ganho era (“não vou citar nomes”) uma pessoa que “gosta de informações”. Admitindo ser este tema extremamente polêmico, argumentou o parlamentar que para trafegar informações importantes de governo, é preciso haver uma linha segura do próprio Governo, a que ninguém mais possa ter acesso. “A iniciativa privada não poderia prover a esse serviço?”, perguntou a coordenadora, Heloisa Magalhães. “Eu não sei se, hoje, existem pessoas que entrem em qualquer lugar e pegam qualquer tipo de informação”, disse Wellington Salgado.

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