Bittar: separação entre telecomunicações e radiodifusão é coisa anacrônica
A TELEBRASIL entrevista o deputado federal Jorge Ricardo Bittar (PT-RJ), um dos palestrantes do 51º Painel. São tratados com total abertura, dentre outros, temas como reforma ou não da Lei Geral das Telecomunicações, inclusão digital, conflito entre teles e radiodifusores, diminuição da carga tributária para fins sociais, Parceria Público-Privada, obrigações de universalização para banda larga, chegada da terceira geração do sem fio, programa “Banda Larga para Todos”, agências reguladoras e criação de uma multinacional brasileira de telecomunicações. O santista Jorge Bittar, de 59 anos, é engenheiro de Telecomunicações, formado pelo ITA (1971) e está em sua quarta legislatura. Foi engenheiro da Embratel durante 22 anos. É autor do Modo Petista de Governar – Teoria e Debate (1992). É atual vice-líder do PT, onde está filiado desde 1980.
TELEBRASIL – Que posição o Sr. ocupa na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática – CCTCI?
Jorge Bittar – Sou relator dos projetos que tratam da convergência tecnológica. Todos os projetos que tratam da geração, programação e distribuição de conteúdos. São três os projetos de lei existentes: do Paulo Bornhausen, do Nelson Marquezelli e de Walter Pinheiro e Paulo Teixeira. O espírito dessas matérias é focar quem pode e quem não pode distribuir conteúdo. Há um grau de conflito existente entre teles, empresas de radiodifusão, empresas de TV a cabo e outras mais. Isso ainda tem a ver com a questão do Wi-Max. Será preciso produzir uma normatização tal que dê conta de gerar um mínimo de pactuação dentro do setor.
TB – Três Projetos de Lei?
JB – Sim. Ocorre uma situação conflituosa. Ela é expressa nos Projetos de Lei do Bornhausen (nr: defende as teles) e do Marquezelli (nr: favorece a radiodifusão). Há ainda o projeto de Walter Pinheiro e Paulo Teixeira que ocupa uma posição intermediária. Eu não subscrevi esse último Projeto de Lei – justamente para poder ser relator –, mas ajudei a escrevê-lo. Esse projeto é uma demonstração de que existe uma possibilidade de alguma pactuação entre os agentes econômicos de telecomunicações e de radiodifusão no País.
TB – Como assim?
JB – A principal atividade econômica dos radiodifusores é a geração de conteúdo. O conteúdo da televisão brasileira é de altíssima qualidade, como reconhecido internacionalmente. Por outro lado, quem tem a expertise do acessoa ao cliente, ao usuários, são as empresas de telecomunicações. Então, nada melhor que uma parceria virtuosa – um jogo de ganha-ganha – entre os que geram conteúdo, remunerados de maneira adequada, e os distribuidores de conteúdo, predominantemente as empresas de telecomunicações, também sendo remunerados por esse serviço.
TB – Algo a acrescentar?
JB – Eu agregaria que nas grades de programação dos distribuidores de conteúdo deve haver a garantia de um mínimo de conteúdo nacional e regional, conforme prevê a Constituição.
TB – Na difusão não se identifica quem recebe o sinal?
JB – Justamente, se o serviço é remunerado, não mais se trata de difusão. Trata-se de um serviço em que se identifica o cliente e se entrega a ele o conteúdo. O cliente recebe o conteúdo e remunera a empresa prestadora de serviço por ele.
TB – O projeto de Walter Pinheiro e Paulo Teixeira?
JB – Esse Projeto de Lei fala em serviço de valor condicionado.
TB – Valor condicionado?
JB – Condicionado a um contrato de prestação de serviços e de remuneração pelos serviços prestados.
TB – A plataforma que se utiliza faz diferença? JB – Plataforma, em si, não importa. Poderá ser celular, Wi Max, TV a cabo ou outro meio qualquer. Importante é a concorrência, sob forma de uma competição saudável entre distribuidores. É ela que vai beneficiar o usuário na forma de melhor qualidade de conteúdo, de transmissão e melhor preço.
A entrevista sofre uma inflexão. É abordado o “Brasil Digital”, tema do 51º Painel TELEBRASIL e de seus fundamentos, como a Lei Geral de Telecomunicações.
TB – O Sr. irá ao Painel da TELEBRASIL, em Sauípe?
JB – Eu estarei presente no 51º Painel, com toda a certeza. Julgo que o tema do Brasil Digital é da maior importância para o País.
TB – Há arcabouço regulatório para o Brasil Digital?
JB – Temos uma situação institucional no País, na qual nossa própria Constituição separa os serviços de telecomunicações dos serviços de radiodifusão.
TB – E a tão falada convergência?
JB – Eu acho a separação existente entre telecomunicações e radiodifusão uma coisa meio anacrônica.
TB – É viável haver uma espécie de “superlei“ englobando comunicação de massa e telecomunicações? JB – Hoje, existe uma separação constitucional entre ambas. Para que essa situação seja modificada, seriam necessários 3/5 dos votos da Câmara e outros tantos do Senado. Diante da situação conflituosa existente, o melhor que dá para desenvolver hoje é reformar a LGT, aqui e ali, ajustando-a às necessidades do momento.
TB – Por exemplo?
JB – Trabalhar todo o processo de outorgas na radiodifusão para que haja mais transparência. O mesmo para que ocorra melhor qualidade de serviço em telecomunicações.
TB – O que pode ser sugerido?
JB – Que haja um conjunto de ações, nas esferas legal e infralegal, com decretos e com normas da Anatel. Evitar que prosperem os diversos conflitos dos agentes da ordem econômica, como na distribuição de TV por cabo, o assunto do DTH ou da licitação para o Wi Max e assim por diante. Até que haja amadurecimento para que, no futuro, aconteça uma mudança constitucional, que, a meu ver, se faz necessária.
TB – Então, devemos, por ora, esquecer a Lei de Comunicação de Massa?
JB – De certa forma, sim. Poderemos fazer alguns ajustes que dêem conta das necessidades que temos pela frente. Vamos entrar na TV Digital. Existem projetos de lei para disciplinar a outorga da TV Digital no País.
TB – Poderia elaborar um pouco mais?
JB – Esse projeto que eu estou relatando, por exemplo, pode permitir que se introduzam ajustes na Lei do Cabo e na LGT. Com isto, se retiram incertezas que podem prejudicar a chegada de novos investimentos na área de telecomunicações.
O Governo tem por obrigação constitucional prestar serviços à população.
TB – Como vê o Brasil Digital, a Inclusão Digital?
JB – É a possibilidade de levar à maioria da população brasileira – se não sua totalidade – o direito de acessar os serviços de telecomunicações em banda larga, de modo a permitir os serviços de voz, dados e imagens.
TB – Em termos concretos?
JB – Tais serviços devem estar ao alcance dos diversos segmentos da população, de acordo com o poder aquisitivo de cada um. Fica evidente que, nas camadas de maior renda da população, tais serviços deverão ser totalmente remunerados pelos usuários desses serviços.
TB – Como atender as classes de menor renda?
JB – Será preciso encontrar formas de subsidiar os serviços para que fiquem disponíveis através de telecentros, banda larga nas escolas, nos postos de saúde e em todas as unidades estaduais, federais e municipais.
TB – Dá para diminuir a tributação, tendo como fato gerador a inclusão social?
JB – Acho perfeitamente viável. No serviço de energia elétrica, por exemplo, existe a denominada “tarifa social”. Ela permite que cidadãos de menor renda possam ter acesso a um determinado consumo de energia.
TB – Precisaria um projeto de lei?
JB – Sim. Para haver tarifas de cunho social é preciso alterar a atual legislação. O melhor caminho seria através de uma reforma tributária.
TB – O Governo Federal está ativando o processo da reforma tributária?
JB – Sim. A idéia do Governo é simplificar os tributos, levando em conta o valor agregado. Só existiriam dois impostos. Um deles de cunho estadual, unindo ICMS e ISS. O outro seria um imposto nacional, unificando PIS, Confins, IPI e o Imposto sobre Combustíveis. Haveria uma legislação nacional simplificada, com alíquotas precisamente distribuídas.
TB – Para as telecomunicações?
JB – Nesse novo contexto, seria plenamente razoável se definir uma alíquota extremamente baixa para os serviços de telecomunicações destinados à população de menor renda.
TB – Estamos falando de que classe social?
JB – Com renda familiar inferior a três ou cinco salários mínimos.
TB – O Fistel também estaria incluído nesse pacote?
JB – Sem dúvida. Poderia haver a reforma da tabela do Fistel de maneira a subsidiar os serviços para a população de menor renda.
TB – O Fust? JB – Seria outra maneira de subsidiar os serviços. Há uma iniciativa do senador Aluízio Mercadante (PT-SP), que vejo com muito bons olhos, para desbloquear a utilização do Fust. O Fundo foi inicialmente previsto para os serviços de voz e agora permitiria sua larga utilização em diversos outros serviços.
A interconexão das escolas de nível média como anunciada pelo Governo.
TB – Poderia comentar sobre o anúncio da interconexão das escolas de nível médio?
JB – Há uma certa controvérsia. A meu ver, o melhor caminho para construir uma rede nacional interconectando as escolas é a Parceria Público-Privada.
TB – Como assim? JB – O Estado ofereceria recursos para a construção dessas redes de banda larga. Seria em situações em que a remuneração do investimento não é plena e em que não há um pay-back razoável.
TB – De que maneira o Estado ofereceria recursos?
JB – De modo que o backbone e o backhaul para banda larga cheguem às localidades onde não há economicidade para investimentos estritamente privados. Poderíamos nos utilizar da conversão das obrigações de universalização dos contratos das concessionárias. Nesse caso, a obrigação para os PSTs (Postos de Serviços de Telecomunicações) poderia ser vista como algo não tão essencial assim.
TB – Outra alternativa?
JB – Seria a própria licitação da terceira geração celular. Na realidade, a geração três e meio do celular. Com a redução dos preços da infra-estrutura e dos handset, passa a se viabilizar a terceira geração do celular.
TB – Como seria o modelo da terceira geração do celular?
JB – Eu entendo que, ao invés do Estado brasileiro arrecadar recursos financeiros em troca das outorgas das bandas de frequências para os serviços de terceira geração, haveria uma troca por obrigações de universalização de banda larga.
TB – Universalização da Banda Larga Digital?
JB – Exatamente. As empresas teriam que levar o backhaul (nr: interconexão entre acessos) a determinadas localidades, permitindo o acesso a escolas, unidades de saúde, telecentros e coisas desse tipo.
TB – Uma vez montado o backhaul, quem paga a conta do custeio?
JB – Poderia se utilizar o Fust (nr: Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), de modo que tais recursos públicos seriam destinados a iluminar o Brasil e levar a banda larga e seus serviços a todos os rincões do País.
TB – Utilizando que tecnologia?
JB – A idéia seria minimizar o custo da rede, utilizando a tecnologia que melhor convier. Fibras ópticas onde fossem viáveis. Tecnologias sem fio, Wi-Max e Wi-Fi, onde necessárias. Utilizando satélites em localidades mais remotas, como é feito com o GESAC (nr: Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão).
TB – Como o Sr. vê o Governo criando a sua própria rede para seus próprio uso?
JB – Pessoalmente, acho que a melhor coisa que o Estado possa fazer é construir a Parceria Público-Privada.
TB – Por quê?
JB – A iniciativa privada já deu mostras de sobra que tem condições de construir e operar redes com muito mais eficiência que o Estado e a menores custos. Isso acaba por beneficiar os usuários.
TB – O que fazer para criar e manter uma rede nacional de banda larga?
JB – É preciso que o Poder Público crie um planejamento nacional, articule as necessárias parcerias, coloque recursos públicos na forma de investimentos, troca de obrigações e terceira geração de celular – como já explicado –, agregando os recursos do Fust.
TB – O Poder Executivo tem alguma restrição legal para levar adiante tal projeto?
JB – Não há nenhuma restrição legal. A única coisa que me parece ser necessária seria adequar a legislação do Fust.
TB – O Poder Público pode fazer e utilizar a sua própria rede?
JB – Qualquer agente, público ou privado, pode fazer a sua própria rede. Cidades, no Brasil, estão montando suas redes de banda larga. Isto desde que não as operem para vender serviços e sim as utilizem para seus próprios serviços e para as populações de menor renda. Sim. Isto é perfeitamente possível.
TB – Essas cidades digitais não podem vender serviços?
JB – Tais serviços só podem ser feitos sob licença da Anatel.
TB – Então, a linha divisória é o serviço digital ser ou não pago?
JB – Sim, exatamente.
Lembrada a criação de uma frente parlamentar para radiodifusão.
TB – Deveria haver o lançamento de uma frente parlamentar das telecomunicações?
JB – Temos visto, aqui no Congresso Nacional, uma proliferação muito grande de frentes parlamentares. Eu acho que ocorre uma certa “banalização” dessas frentes.
TB – São muitas as frentes?
JB – Há dezenas delas.
TB – O que seria essencial em se tratando de telecomunicações?
JB – O que me parece essencial é que as Comissões na Câmara e no Senado que tratam desse assunto possam trabalhar com maior dinamismo.
TB – A Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, na qual o Sr. é relator?
JB – A Comissão da Câmara, nesta legislatura, conta com parlamentares de excelente qualificação e está com uma pauta ousada de discussão. Eu vejo isso de forma extremante positiva. Num passado mais distante, constatou-se certa retração no papel desempenhado pelo legislativo.
TB – Que temas são importantes para a pauta das Comissões?
JB – Eu citaria, dentre outros, a inclusão digital, a convergência digital, a tevê digital, o marco regulatório, as outorgas de rádio e televisão. É claro que, além do trabalho das Comissões, é preciso que elas realizem a tarefa de disseminar suas idéias entre os demais parlamentares.
TB – A agenda das telecomunicações está tendo ênfase no Congresso?
JB – Sim, evidentemente. Vivemos a Era da Sociedade da Informação. O Governo tem desenvolvido grande esforço para disseminar o acesso de energia elétrica para todo cidadão, como parte do Programa “Luz para Todos”. São recursos públicos sendo utilizados para levar energia elétrica à comunidades rurais e aos que não têm acesso a esses benefícios. É um programa destinado a levar a comunidade carente do século XIX para o século XXI.
TB – Sim, e as telecomunicações?
JB – A sociedade brasileira tem que ingressar, agora, no século XXI. Para isto, é preciso que haja a “Comunicação em Banda larga para Todos”.
A nova Palavra de Ordem é “Comunicação em Banda Larga para Todos”.
TB – Banda Larga para Todos?
JB – Essa deve ser a nova Palavra de Ordem. Para tanto, terão que ser feitos os ajustes legais necessários, além de sensibilizar os Governos federal, estaduais e municipais. Sem adotar uma visão federativa, esse grande programa não poderá ser alcançado.
TB – O Sr. quer acrescentar alguma coisa?
JB – Sim. O Governo federal, através do Poder Executivo, já constituiu uma coordenação para tratar da inclusão digital. O César Alvarez é a pessoa do presidente, oficialmente indicado, como responsável pela coordenação desse assunto. Ele vai poder lidar com todos os ministérios envolvidos, como o das Comunicações, da Educação, da Saúde e da Cultura, e vai poder dialogar com os governos estaduais e municipais, além dos agentes econômicos e dos prestadores de serviços envolvidos.
TB – O NAE?
JB – O Núcleo de Assuntos Estratégicos é um parceiro fundamental. O Núcleo já tem um trabalho desenvolvido sobre o tema.
TB – Como atua a Comissão de Ciência, Tecnologia,Comunicação e Informática?
JB – Já estamos dialogando com César Alvarez, de modo a ter um canal direto paras as contribuições do Poder Legislativo. Existe o Princípio da Separação dos Poderes da República. A melhor maneira de se estabelecer uma parceria é com uma cooperação estreita. Assim que César Alvarez puder tomar pé da situação e traçar as diretrizes de seu trabalho, nossa intenção é trazê-lo para uma Audiência Pública para que o Poder Legislativo possa acompanhar, fiscalizar e oferecer contribuições para a elaboração desse plano nacional.
A convergência dos atores e uma possível multinacional brasileira de telecomunicações.
TB – Fale-nos da concentração empresarial em telecomunicações.
JB – Na década de 90, houve a tendência à fragmentações das telecomunicações, com uma separação entre serviços fixos, móveis, locais e de longa distância. Hoje, o que se nota, regido pelo fenômeno da convergência tecnológica, é uma nova consolidação empresarial, por conta dos grandes ganhos de escala e de escopo que ela traz.
TB – O que resulta dessa concentração?
JB – As empresas estão se fundindo, com as empresas maiores adquirindo as menores e com um processo crescente de parcerias para oferecer serviços. É o exemplo do que se denomina triple play. O usuáriopassa a ter acesso em banda larga à tevê digital e telefonia. Isso só é possível através de parcerias ou de uma consolidação empresarial.
TB – É um fenômeno mundial?
JB – No Brasil, vimos a parceria da NET com a Embratel e, provavelmente, com a Claro, do grupo mexicano. Nos EUA, depois da criação das Baby Bells, pelo desmembramento da A&TT, ocorre um novo processo de concentração redundando em apenas três grandes operadoras. A Europa não chegou a se fragmentar. Constituiu empresas nacionais, como a Deutsche Telekom, a France Telecom, a Telefónica de España e a Telecom Itália.
TB – No Brasil?
JB – No Brasil e nas Américas, o processo caminha na direção da convergência dos atores. Vimos, aqui, a parceria da NET com a Embratel e provavelmente com a Claro, do grupo mexicano. Temos visto um grande fortalecimento do grupo mexicano e também do grupo espanhol.
TB – Caminhamos para uma situação de dois grandes players?
JB – Vejo com muita naturalidade a constituição de um terceiro grande grupo no Brasil e que poderia resultar da união da Brasil Telecom com a Telemar/Oi. Seria um grupo com capital predominantemente nacional.
TB – Estaria surgindo um neonacionalismo?
JB – Não queremos voltar ao nacionalismo que caracterizou a década de 50. Achamos, porém, que é perfeitamente legítimo que capitalistas brasileiros possam também participar do jogo, do mercado de telecomunicações. Assim como empresas espanholas ou mexicanas não estão impedidas de fazer aqui, empresas brasileiras podem oferecer serviços no Brasil e para o restante do mundo.
TB – Para a criação desse terceiro grupo, no Basil, o que seria preciso?
JB – A modificação necessária, nesse caso específico, seria adequar, num processo transparente, o Plano Geral de Outorgas.
TB – Caberia à Anatel fazê-lo?
JB – Seria necessário um decreto presidencial
TB – Já se está fazendo alguma coisa nessa direção?
JB– Isso só ocorrerá se esta simpatia, já declarada publicamente pela Telemar e pela Brasil Telecom, evoluir para um acordo comercial entre ambas, visando uma fusão. Esse acordo seria submetido ao Governo que examinaria o assunto.
TB – No mundo ocorre coisa semelhante?
JB– Eu acho natural que países defendam suas empresas para que elas possam participar com peso, num mundo dito globalizado. É um caminho de dupla via. De um lado, existe a abertura para que empresas multinacionais atuem nos diversos países e de outro, o caminho do fortalecimento das empresas nacionais.
TB – É o caso da Telecom Itália?
JB– Sim. É o Governo italiano defendendo a empresa italiana. Isto não significa vedar o acesso do capital internacional e sim defender os interesses legítimos da economia italiana. No Brasil, é a mesma coisa. Acho natural que empresas nacionais também se mobilizem, como a Petrobras, a Gerdau, a Vale do Rio Doce e a Embraer – verdadeiras multinacionais – para atuar internacionalmente. É razoável que, em telecomunicações, se crie uma multinacional brasileira.
As agências reguladoras.
TB – Como o Sr. vê o papel das agência reguladoras e dos ministérios?
JB– Depois de uma certa polêmica, ocorrida no início do primeiro mandato do presidente Lula, sobre o papel das agências e dos ministérios, hoje, temos uma situação totalmente consolidada.
TB – Como seja?
JB– Hoje, já há um claro consenso que cabe aos ministérios a visão prospectiva do setor; estudos, planejamentos, planos gerais de outorgas e coisas do gênero.
TB – As agências?
JB– Cabe a elas o ajuste do marco regulatório e a fiscalização. São elas que definem o marco infralegal. Elas cuidam da observância da legislação e adotam normas – o marco infralegal – para que tal observância ocorra. Vi com satisfação que o Governo inclui no PAC (nr: Plano de Aceleração do Crescimento) a necessidade de se tramitar com mais agilidade o projeto que define o marco legal para todas as agências brasileiras. É disciplinar sua constituição, sua modelagem, sua relação com o Poder Executivo. Estamos caminhando muito bem.
TB – A Anatel?
JB– Depois de um período no qual ela ficou com apenas três conselheiros, vejo com enorme satisfação a nomeação e aprovação pelo Senado de dois novos conselheiros, Bedran e Sardenberg. Isto irá fortalecer a Agência no seu papel de reguladora. Apenas vejo como necessário avançar nos ajustes legais para acabar com os conflitos que têm havido em torno de questões que afetam as empresas de telecomunicações, de tevê a cabo, DTH (nr: Direct to Home TV), as novas tecnologias como Wi-Max. Precisamos definir tudo isso com muita clareza e precisão para diminuir os conflitos e criar um ambiente mais seguro para os investimentos.
TB – Sua opinião sobre Licença Única?
JB– Sou extremamente simpático. Acho que é um tema que deve ser discutido na nova legislação, que eu estou relatando. A idéia é que se possa convergir para uma licença multisserviços. Isto é condizente com a convergência tecnológica e com o fato de que as plataformas em banda larga permitem a prestação ampla de serviços.
TB – Acaba a segregação por serviços?
JB– Não faz mais sentido a segregação por serviços. Havendo uma plataforma por cabo ou sem fio, o importante é que se ela for em banda larga, poderá prestar qualquer tipo de serviço. Não faz sentido defini-la como plataforma estreita e defini-la para prestar apenas um tipo de serviço, como o de voz.
TB – Um exemplo concreto? JB– Vem aí a terceira geração da telefonia celular. É a geração três e meia pela adoção do serviços HSPA (nr: High speed packet access) – a união do HSUPA (nr: upper link) e HSDPA (nr: down link) – de alta velocidade. Eu devo ter o direito de prestar nessa plataforma qualquer tipo de serviço, como serviços de voz, audiovisuais, games (jogos), voz e tevê por Internet e assim por diante.
Televisão digital e inclusão digital
TB – A televisão para inclusão digital precisa de retorno. Ela deixa de ser apenas radiodifusão?
JB– A Constituição separa radiodifusão de telecomunicações. Mas, ela não impede a parceria entre radiodifusores e telecomunicadores.
TB – A palavra-chave seria parceria?
JB– Sim; sobretudo no curto prazo. Para aguardar, no futuro, ajustes no marco legal. Nada impede que a televisão produza conteúdos interativos e construa parcerias com as empresas de telecomunicações. Ela seria remunerada pela publicidade, como hoje já acontece, e ainda teria uma parte de retorno, através das empresas de telecomunicações.
TB – E o modelo de negócios?
JB– Vamos construir um modelo de negócios a partir daí. Não há nenhuma restrição legal. O caminho é o da parceria para que se possa erguer uma relação virtuosa para dar o maior valor possível tanto para a radiodifusão quanto para as telecomunicações.
TB – Nesse contexto, o que é conteúdo? É só novela televisiva?
JB– Não. É claro que videogames são conteúdos. Serviços de localização com GPS (nr: Global Positioning System) também são. Saber os restaurantes de uma localidade ou a localização dos postos de saúde também se configuram como tal. São também os serviços que podem ser efetuados por telecomunicações móveis e fixas. Isto, inclusive, tem a ver com a matéria que eu estou relatando.
TB – Na inclusão digital, usar computador de US$ 100 ou TV digital?
JB– Acho que não é “ou” e sim “e”. A idéia de ter computadores portáteis para distribuí-los amplamente na rede escolar, com softwares educacionais apropriados, com mobilidade via rede wireless, e presença na casa da garotada algo extremamente positivo. Ao mesmo tempo, é possível desenvolver teleducação com o computador sendo uma ferramenta complementar e poderosa para o professor na escola. É uma nova pedagogia, mais eficiente e de maior qualidade.
TB – E a TV Digital?
JB– Ao lado disso, é possível utilizar a plataforma da tevê digital e de telecomunicações. Acho que são complementares.
TB – Toda a problemática da teleducação será tratada pelo Alvarez?
JB– A teleducação é predominantemente do Ministério da Educação. Ao Alvarez, acho que lhe cabe construir uma plataforma nacional de banda larga para permitir que as escolas de todo o País possam se comunicar. Que os jovens com acesso em telecomunicações em sua residência ou em telecentros nas comunidades mais pobres possam acessar os serviços de teleducação.
Rede do Estado e plataforma privada.
TB – O Poder Público poderia ele mesmo implementar e explorar a rede?
JB– Vivemos um momento de fortes restrições fiscais. Em economia, existe a afirmação que as demandas são ilimitadas, mas que os recursos são escassos. Nos tempos atuais, tanto os Governo federal quanto os estaduais e municipais vivem uma grande escassez de recursos financeiros. São recursos que têm que atender a demandas por saneamento básico, educação, saúde pública, assistência social, segurança. Então, não faz sentido, a meu ver, que o Poder Público dispondo no País de empresas extremamente eficientes – que podem produzir serviços de telecomunicações com qualidade – queira substituir o papel que cabe a essas empresas.
TB – O que caberia ao Poder Público?
JB– Subsidiar os serviços de telecomunicações para os segmentos da sociedade que não possuem poder aquisitivo. A solução é a Parceria Público-Privada para levar esses serviços à comunidades de menor renda. Para as classes A e B e segmentos da classe C, as empresas por sua conta podem oferecer os serviços.
TB – E os investimentos?
JB– Não faz sentido o Estado montar a sua rede própria, porque o volume de investimentos seria gigantesco. É preciso estimular as empresas prestadoras de serviços de modo que possam levar serviços em banda larga de maneira ampla e nacionalmente. Aí, seria aproveitar a licitação da terceira geração, a possibilidade de troca das obrigações das concessionárias, de tal maneira que os serviços de banda larga disponíveis comercialmente para as classes de melhor renda da população possam estar acessíveis – não só em termos de backbone – em escolas, telecentros, postos de saúde e assim por diante.
TB – Existem outros projetos de lei em perspectiva, além dos três já citados?
JB– Não. Os projetos que existem são esses mesmos. A minha idéia, como relator, para conduzir o processo, é conduzir uma rodada ampla de consultas, com audiências públicas com as empresas concessionárias, de serviços móvel pessoal, com o pessoal da ABTA (nr: Associação Brasileira de TV por Assinatura). O Painel TELEBRASIL se insere nesse marco que foi discutido.
TB – Alguma coisa que gostaria de acrescentar?
JB– Não, muito obrigado. O essencial está dito.